A ternura de um pastor
Pe. Geovane Saraiva
Dom Aloísio teve como berço a cidade de Estrela – RS, nascido no dia 08.10.1924. Ordenado padre em 22 de agosto de 1948 – Divinópolis – MG. Nomeado bispo de Santo Ângelo no dia 03.02 de 1962, ano em que teve início o Concílio Vaticano II, escolhendo como seu lema episcopal: “In cruce salus et vita” – na cruz a salvação e a vida, que ao iniciar seu ministério episcopal com muito amor, sabedoria e determinação, colocou em prática seu projeto e sonho de jovem bispo, com 37 anos de idade, na sua Diocese e nas sessões do mesmo Concílio, de 1962 a 1965 e depois, a serviço da Igreja no Brasil, na América Latina e no mundo inteiro.
Este grande homem de Deus foi nomeado Arcebispo de Fortaleza no dia 04.04.1973, assumindo a Arquidiocese no dia 05 de agosto do mesmo ano. Em 24.04.1976 foi nomeado Cardeal da Santa Igreja pelo Papa Paulo VI. Em Fortaleza, procurou fazer a vontade de Deus, com ternura e coragem profética de pastor, por 22 anos, até ser transferido e tomar posse na Arquidiocese de Aparecida, no dia 18.08.1995. Permanecendo lá até o dia 25 de março de 2004, quando entregou o cargo a Dom Raymundo Damasceno Assis, tornando-se, deste modo, Arcebispo Emérito de Aparecida.
Chegou e assumiu a Igreja de Fortaleza como um servidor, como um irmão desprendido, a exemplo do Bom Pastor, que dá a sua vida por suas ovelhas (cf. 10, 11). Chegou num Ceará marcado pela miséria, numa população faminta, que nos faz lembrar o que nos diz Manuel Bandeira, na sua bela poesia: “Vi ontem um bicho, Na imundície do pátio, Catando comida entre os detritos, Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era gato, Não era um rato. O Bicho, meu Deus, era um homem”.
Dom Aloísio foi verdadeiramente um místico, porque viveu intimamente unido a Deus, mas ao mesmo tempo, com os olhos voltados para realidade, convertendo-se a grande utopia do Reino, ao sonho do nosso único e verdadeiro Deus. De modo que ao chegar a Fortaleza, disse numa linguagem corajosa e profética: “A Arquidiocese não é feudo do bispo” e disse mais, numa visão de Igreja povo de Deus: “Os leigos são a esperança da Igreja”. Marcou em profundidade os destinos da nossa gente e da nossa história, reavivando e colocando na mente e no coração do povo cearense, que o nosso Deus é o Deus da vida, que deseja um mundo não só para alguns, mas um mundo diferente, em que todos os filhos do mesmo Pai que está no céu possam viver com dignidade.
Hoje, mais do que nunca, a palavra chave é: esperança! Neste sentido, Enoisa Veras comentou no site www.paroquiasantoafonso.org.br, a carta circular de Dom Pedro Casaldáliga, do dia 20.02.2009: “Estou, há alguns meses, sentido os mesmos sentimentos do Cardeal Martini… deixando de acreditar que seja possível a Igreja tornar-se corajosa e firme na luta contra tudo que signifique exclusão […]. São tantos os recuos! Recuos que influenciam e norteiam as ações de alguns conformados bispos e sacerdotes brasileiros. Que bom ler, nesse momento de desânimo, Dom Pedro Casaldáliga!” Obrigado, Dom Pedro, pela esperança. Ela me faz um bem danado! Que Deus o abençoe!”(cf. circular de Dom Pedro Casaldáliga).
Já no Cardeal Lorscheider, ao combater o bom combate, terminar a sua corrida e guardar a fé (cf. 2Tm 4, 7), estava, de verdade, a vida e a esperança, porque ele era visto, reconhecido e ouvido como o bom pastor, o bispo amigo e o teólogo claro e conciso, grande devoto de Nossa Senhora da Assunção e São José, padroeiros de Fortaleza e do Ceará, respectivamente, que ao falar, penetrava lá na mente e no coração do todos que o escutavam, com sua grande sensibilidade à miséria humana, principalmente a dos empobrecidos e marginalizados.
Ele nos ensina que devemos descobrir o sentido mais profundo do chamado que Deus faz a cada batizado, ao ponto de muitos cristãos, a seu exemplo, responder como uma aventura profética. É por isso que a vida dos cristãos só pode encontrar a sua realização numa vida interior e oração profunda. “Se alguém tiver sede, venha a mim e beba. Como dizem as Escrituras Sagradas: Rios de água viva vão jorrar do coração de quem crer em mim” (Jo 7,37-38).
Recordamos saudosos, Dom Aloísio, na sua ternura e mística de pastor, através dos seus gestos e atitudes. Doçura em pessoa, com sua voz suave, alegria constante e sorrisos nos lábios, mas com suas posições firmes e determinadas, dedicado a justiça social e ao mesmo tempo pregando o diálogo com grande sabedoria e moderação. Simplicidade, amabilidade e bondade sem limites marcaram a vida deste grande pastor e profeta dos nossos tempos. Ao mesmo tempo em que foi uma pessoa fascinada por Deus e por suas criaturas, carregando no seu coração as alegria e esperanças, tristezas, angústias e sofrimentos da sua gente cearense (cf. GS, 200), perante um nordeste e um Brasil socialmente injusto e carente de liberdade de expressão.
Travou deste modo, uma luta firme e segura, sem nunca se cansar, pela redemocratização, pela liberdade e pelo fim das torturas, na nossa querida pátria, não se curvando diante do regime militar, que mais parecia um monstro intocável. Dom Aloísio, ao partir para o seio do Pai, no dia 23.12.2007, deixou-nos um legado de boas ações, pelo seu testemunho e pelo seu modo de viver. Alegra-nos ouvir que os milagres e as graças deste homem justo e santo começam a aparecer. Uma pessoa me confidenciou que, diante de uma enorme dificuldade, foi ao encontro do querido Dom Aloísio, pedindo socorro no que foi atendida.
Penso que a frase do Apóstolo Paulo sintetiza a vida do nosso estimado pastor e grande bispo, que a exemplo de Charles de Foucauld e Francisco de Assis, gritou o Evangelho com a própria vida: “Pois para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro” (Fl 1, 21). Deus seja louvado por este querido irmão, patrimônio do povo cearense e brasileiro.