Aos 30 anos do martírio de São Romero
Dom Pedro Casaldáliga
(tradução: Adital)
Celebrar um Jubileu de nosso São Romero da América é celebrar um testemunho que nos contagia de profecia. É assumir comprometidamente as causas, a causa pelas quais nosso São Romero é mártir. Grande testemunho no seguimento da Testemunha maior, a Testemunha fiel, Jesus. O sangue dos mártires é aquele cálice que todos/as podemos e devemos beber. Sempre e em todas as circunstâncias, a memória do martírio é uma memória subversiva.
Trinta anos se passaram desde aquela Eucaristia plena na Capela do Hospital. Naquele dia nosso santo nos escreveu: “Nós cremos na vitória da ressurreição”. E, muitas vezes, disse, profetizando um tempo novo, “se me matam, ressuscitarei no povo salvadorenho”. E com todas as ambiguidades da história em processo, nosso São Romero está ressuscitando em El Salvador, em Nossa América e no Mundo.
Este jubileu deve renovar em todos nós uma esperança, lúcida, crítica; porém, invencível. “Tudo é graça”, tudo é Páscoa, se entramos com todo o risco no mistério da ceia partilhada, da cruz e da ressurreição.
São Romero nos ensina e nos “cobra” que vivamos uma espiritualidade integral, uma santidade tão mística quanto política. Na vida diária e nos processos maiores da justiça e da paz, “com os pobres da terra”, na família, na rua, no trabalho, no movimento popular e na pastoral encarnada. Ele nos espera na luta diária contra essa espécie de gangue monstruosa que é o capitalismo neoliberal, contra o mercado onímodo, contra o consumismo desenfreado. A Campanha da Fraternidade do Brasil, neste ano é ecumênica e nos recorda a palavra contundente de Jesus: “vocês não podem servir a dois senhores, a Deus e ao dinheiro”.
Respondendo àqueles que, na sociedade e na Igreja, tentam desmoralizar a Teologia da Libertação, o caminhar dos pobres em comunidades, esse novo modo de ser Igreja, nosso pastor e mártir replicava: “existe um ‘ateísmo’ mais próximo e mais perigoso para nossa Igreja: o ateísmo do capitalismo quando os bens materiais são erigidos em ídolos e substituem a Deus”.
Fieis aos signos dos tempos, como Romero, atualizando os rostos dos pobres e as urgências sociais e pastorais, devemos sublinhar nesse jubileu causas maiores, algumas delas verdadeiros paradigmas. O ecumenismo e o macroecumenismo, em diálogo religioso e em koinonia universal. Os direitos dos emigrantes contra as leis de segregação. A solidariedade e a intersolidariedade. A grande causa ecológica.
(Precisamente nossa Agenda Latinoamericana desse ano está dedicada à problemática ecológica, com um título desafiador: “Salvemo-nos com o Planeta”). A integração de Nossa América. As campanhas pela paz efetiva, denunciando o crescente militarismo e a proliferação das armas. Urgindo sempre umas transformações eclesiais, com o protagonismo do laicato, pedido em Santo Domingo, e a igualdade da mulher nos ministérios eclesiais. O desafio da violência cotidiana, sobretudo na juventude, manipulada pelos meios de comunicação alienadores e pela epidemia mundial das drogas.
Sempre e cada vez mais, quando maiores sejam os desafios, viveremos a opção pelos pobres, a esperança “contra toda esperança”. No seguimento de Jesus, Reino adentro. Nossa coerência será a melhor canonização de “São Romero da América, Pastor e Mártir”.