Capitalismo e Ética
Manfredo Araújo de Oliveira
A crise nos interpela a avaliar as raízes estruturais da sociedade que criamos na modernidade precisamente a partir de uma consideração de sua configuração atual apresentada como a realização plena de suas potencialidades: a sociedade mundializada. Este processo de mundialização se fez em função da efetivação eficiente do objetivo central deste modelo social que é a busca de lucros, de oportunidades de acumulação de capital como fim absolutizado, do controle dos mercados e de áreas de influência. Isto conduz tanto a uma competitividade exacerbada e destruidora da natureza como ao aprofundamento das desigualdades entre países ricos e pobres e entre os setores ricos e pobres no interior dos países. Um problema grave neste contexto é a inadequação das instituições vigentes nos três grandes níveis – nacional, regional e mundial – para controlar os agentes globais e garantir a democratização dos produtos do grande salto tecnológico e dos processos de expansão mundial do modelo.
Trata-se aqui de um modelo de crescimento humano centrado na visão do homem como um indivíduo fechado em si mesmo e em suas aspirações, no mercado como instância básica de coordenação da vida social e no lucro como fins últimos da vida societária. Ele conduz a um progresso material gigantesco ligado a uma também gigantesca degradação da dignidade do ser pessoal uma vez que mercantiliza o ser humano em suas diferentes dimensões e o convence a se submeter a este processo como a algo natural. Nesta concepção, eticamente inaceitável é tudo o que se contrapõe à acumulação e à expansão do capital, uma visão hegemônica em nossos contextos culturais. Em última instância, esta concepção articula o sentido da vida humana: produzir e consumir ilimitadamente todo tipo de bem material, portanto, acumulação de bens materiais e maximização do consumo, o que significa uma redução da vida humana à sua dimensão material que em última análise significa o não reconhecimento efetivo da dignidade humana. Desta forma, um materialismo radical rege as relações entre pessoas e povos.
Quem não tem capital e poder de compra não é reconhecido. É a lógica da exclusão: aqui a pessoa humana não constitui peso decisivo no cálculo do sistema que é voltado a uma acumulação cada vez mais eficiente do capital. Este processo termina por reduzir o ser humano a um instrumento da acumulação propiciada por seu trabalho convertido em mercadoria. Hoje em muitos casos ele não chega nem a isto porque se transforma em mão-de-obra excedente. Esta forma de organizar a vida coletiva se contrapõe à igualdade fundamental de todos os seres humanos e isto estruturalmente porque aqui uns são donos e gestores do capital em todas as suas formas enquanto outros na melhor das hipóteses são donos de sua capacidade de trabalhar.
Neste sentido se deve dizer que esta estruturação social se radica na exploração porque apenas uma minoria se apropria dos benefícios do que a maioria produz. Assim, ela ignora no curso de sua efetivação as oportunidades desiguais dos cidadãos, submete-os a uma competição cruel e produz um ser humano voltado para si mesmo e para suas aspirações. Este tipo de personalidade identifica o sentido da vida pessoal com poder aquisitivo e consumo. Assim se alimenta uma situação de injustiça que provoca a violência e se defende um modelo industrial de crescimento que não contabiliza os inúmeros custos externos da produção e menos ainda as consequências em custos sociais e ecológicos. Tudo significa dizer que este modelo socioeconômico se radica em valores e gera atitudes que destroem a dignidade do ser humano e tenta sufocar os movimentos de solidariedade que trazem à opinião pública o debate sobre um modelo alternativo. Uma vida ética aqui implica confrontação radical com um sistema incompatível com a dignidade de que é portador o ser humano.