Carta do Haiti
Dom Demétrio Valentini
Em nome da CNBB e da Cáritas, esta é a semana da visita ao Haiti. Para conferir de perto a situação, e ver melhor como dar continuidade à campanha em favor das vítimas do fatídico terremoto do dia 12 de janeiro.
Quando a viagem é importante, não se espera o regresso. Manda-se uma carta. É o que estou fazendo, na tentativa de transmitir ao menos algumas impressões, para depois com mais calma partilhar propostas concretas de cooperação com o povo haitiano.
Quando o avião estava sobrevoando Port au Prince, já dava para constatar a cidade arrasada. Certos quarteirões pareciam um amontoado de destroços, não um conjunto de casas. O Haiti ainda convive com os escombros. Não foram removidos. E convenhamos que não é fácil removê-los. Se anos depois da guerra, na Europa, ainda dava para ver algumas consequências da destruição, por que se imaginaria que o pobre Haiti fosse capaz de varrer da cidade e da memória os vestígios do terremoto? Por muitos anos, com certeza, o Haiti vai viver sob o espectro desta tragédia.
Do alto dava para ver, o que depois conferíamos de perto. Os espaços vazios, como praças ou campos de esporte, foram todos ocupados por milhares de tendas, para abrigar os que perderam suas casas, ou não tem a coragem de se abrigar debaixo de estruturas completamente comprometidas. Durante o dia, o povo se apinha nas ruas, muitos zanzando atônitos, todos buscando sobreviver, através de toscas mercadorias que procuram vender, ou no aguardo de alguma ajuda que possam receber.
Ao ver de perto esta realidade, voltava com frequência a pergunta intrigante que teimava a se interpor diante da dura realidade deste povo que já era pobre e foi atingido duramente por esta catástrofe. Afinal, neste Caribe que leva a fama de exuberante e encantador, por que alguns países foram adotados pelo progresso, e outros ficaram relegados ao subdesenvolvimento? Sejam quais forem as razões que se alegue, o Haiti ainda paga caro por ter madrugado na sua independência, e ter sido ousado na abolição da escravidão já no início do século dezenove.
Impressiona ver casas de três ou quatro andares, que desabaram completamente e se reduziram a um amontoado de escombros. Com certeza ainda servem de cemitério para muitas vítimas.
Dá para ver com clareza que certos lugares sofreram mais que outros. As causas são diversas. Depende do roteiro que o terremoto parece ter privilegiado, atingindo em sequência certas regiões nitidamente mais danificadas. Mas com certeza depende também do tipo de construções, mais, ou menos resistentes a abalos sísmicos. Depende do tipo de terreno, que precisaria ser analisado melhor antes de sobre ele se construir. São todas advertências, que agora precisam ser melhor levadas em conta, na perspectiva da reconstrução que a partir de agora se impõe.
Pois na verdade, nestes dias está acabando a primeira fase, a de socorro imediato. Começa a fase mais difícil, a da reconstrução. No dizer do Administrador Apostólico da Arquidiocese de Port Au Prince, é preciso transformar a calamidade em oportunidade.
No Haiti o mundo todo tem lições importantes a aprender. Entre tantas, uma sobressai. É urgente que o Haiti retome sua plena soberania, para se tornar ele próprio o protagonista de sua reconstrução, e para que a solidariedade que o mundo inteiro está disposto a oferecer possa encontrar a maneira adequada de se exercer.
No final desta semana, a Cáritas Internacional, com a presença das Cáritas Latinoamericanas, se reúnem no Haiti para juntas refletirem sobre a maneira de colaborarem na ingente tarefa de refundar o Haiti. Pois assim parece se apresentar o desafio comum que todos sentimos. Mas uma carta não conta tudo. Este pouco é só para aguçar o interesse para nos darmos conta das muitas causas que estão em jogo neste país que todos adotamos como interpelação do passado e como profecia de futuro.