Como um ser humano pode planejar tanta barbaridade? As raízes da violência e o coração humano
João Batista Libânio
A violência lança raízes no coração humano. Os seres de suave índole, como Francisco de Assis, não matam nem uma mosca. Podem viver em mar de conflitos e nunca recorrerão à violência. Infelizmente os Fransciscos rareiam cada vez mais. Por sua vez, Hobbes parece ter mais razão, ao afirmar que “homo homini lupus” – o ser humano é lobo para outro ser humano. Ele faz ressoar versos do poeta latino Plauto na sua obra “Asinaria”, em que acrescenta: “somos advertidos para que tomemos cuidado em face do ser humano, como diante de um lobo”.
Os poetas intuem e alcançam o âmago do ser humano, sobre o qual políticos e sociólogos teorizam. Já nos inícios da humanidade, na poética e maravilhosa narração bíblica, de enorme perspicácia humana, o idílio esponsal entre Adão e Eva durou muito pouco. A nudez, o ser criado à imagem e semelhança de Deus, o ouvir os passos de Deus pelo jardim à brisa da tarde, o senhorio deslumbrante sobre toda a natureza, revelam a aura de harmonia do paraíso, logo desfeita. Veio a cena em que ambos comem do fruto proibido. E imediatamente o homem e a mulher se culpam, mutuamente. Já está aí a raiz da violência entre cônjuges.
A história desenha quadro infelizmente paradigmático. Os filhos Caim e Abel disputam até o assassinato. E depois segue triste história de crimes, de violência, de que Lamec se torna símbolo. Vejam que versos compôs para suas mulheres: “Matei um homem por uma ferida, um jovem por causa de um arranhão. Se Caim for vingado sete vezes, Lamec o será setenta e sete vezes” (Gênese 4,23). Está implantada a violência das violências, até terminar com o dilúvio. E, depois, tudo é retomado de novo.
Quando lemos essas páginas iniciais da Escritura, não como história que as ciências desmontaram, mas como revelação da raiz mesma da natureza humana, espantamo-nos com o alcance dos ensinamentos. Mais de dois mil anos depois, os nazistas repetiram Lamec, matando dez civis por um soldado morto em alguma emboscada, nas regiões dominadas. Esposos se acusam mutuamente nos cartórios, filhos disputam sangrentamente heranças e a violência campeia por todos os lados.
Ela não data de hoje. Não se funda em causas extrínsecas, mas dorme no interior de cada ser humano. Quem já esqueceu de Anders Breivik, que metralhou jovens em acampamento? E que dizer dos crimes das câmaras de gás, dos campos de concentração, das bombas atômicas lançadas pelos americanos? E as contínuas guerras, agressões armadas que atravessam os séculos e chegam até nós com requintes de violência?
Fica a pergunta: como um ser dito humano é capaz de planejar tanta barbaridade? Nem faltam crimes tramados em altas esferas por pessoas ilustradas e adestradas em universidades de alto reconhecimento acadêmico. Enquanto não movermos o coração para sentimentos humanos de beleza e de transcendência, dificilmente baixaremos o nível de violência.