Crise mundial e migração
Pe. Alfredo J. Gonçalves
Estima-se que a crise da economia mundial em curso leve 10 milhões de imigrantes a retornarem a seus países de origem. Hoje cerca de 200 milhões de pessoas residem fora do país em que nasceu. Se somarmos a esses números os migrantes internos e temporários, as cifras sobem a centenas de milhões. Nos tempos atuais é raro o país que não esteja envolvido no fenômeno da mobilidade humana, seja como lugar de origem, de destino ou de trânsito, quando não é tudo isso ao mesmo tempo. Todo um povo em movimento e em todas as direções, o chamado quarto mundo, sem raiz e sem pátria.
Atualmente algumas características marcam esse fenômeno. A primeira delas é o crescimento de mulheres e a preponderância de jovens que buscam um futuro mais promissor. Deve-se acentuar também o crescente número do que se poderia chamar de “refugiados climáticos ou ambientais”. São as vítimas de enchentes, inundações, furacões, estiagens, incêndios, etc., reações violentas de uma natureza cada vez mais agredida pelo modelo econômico e político de exploração dos recursos naturais. A Ásia tem sido o continente que mais produz esse tipo de refugiado. Mas ela não está só! Outras regiões do planeta sofrem com o aquecimento global, a devastação e desertificação do solo, a contaminação do ar e das águas, a força das tempestades e dos ventos, etc. Também estes refugiados já se contam aos milhões.
Mas as imagens recentes do massacre de Israel sobre o povo palestino, na faixa de Gaza, não deixam dúvidas quando ao outro tipo de refugiados. Igualmente aos milhões tentam, muitas vezes em vão, fugir da guerra, da perseguição política ou mesmo de conflitos internos. Basta citar aqui, além do Oriente Médio, vários países africanos e asiáticos, tais como Congo, Somália, Zimbábue, Senegal e Serra Leoa, de um lado, Afeganistão, Iraque e Paquistão, de outro. Ou então aqueles que, na Colômbia, escapam do fogo cruzado entre as forças do exército e as milícias das FARC, muitos deles refugiando-se no norte do Brasil, no Peru e no Chile.
Tanto os refugiados climáticos quanto os refugiados políticos têm o destino marcado por um selo trágico: não podem voltar atrás. Diferentemente dos “migrantes econômico-sociais”, eles são forçados a caminhar sempre para frente. As raízes lhes foram decepadas de uma vez por todas. A pátria de origem ou encontra-se devastada ou representa um perigo constante. Um inimigo de mil olhos hostis os vigia por todos os lados. Ao invés de cidadãos com seus direitos e deveres, carregam o estigma de ter que esmolar o “asilo político”. Sendo a nação de origem o lugar mais ameaçador, convertem-se em estrangeiros para sempre!
Entretanto, voltando às vítimas da crise em curso, o que dizer dos retornados ou ameaçados de retorno? Muitos deles já sofriam as condições de clandestinidade e de precariedade, como estrangeiros fora de casa e da pátria. Dessa condição, como sabemos, derivam as dificuldades para o acesso ao trabalho, à moradia, à escola, à saúde, entre outros direitos. Agora, tendem a ser os primeiros atingidos pela instabilidade econômica mundial. Em tempos de dificuldades, evidente que cada país trata de defender, em primeiro lugar, seus cidadãos. Qual será o futuro dos latino-americanos, africanos e asiáticos nos Estados Unidos, Europa, Japão e Austrália? E dos imigrantes que residem nos países pobres, como por exemplo “nuestros hermanos” hispano-americanos em Porto Alegre, Curitiba, Manaus, São Paulo, Rio de Janeiro, Corumbá, etc.?
Não há dúvida que um dos efeitos da atual crise é o aumento considerável desses errantes, fugitivos e famintos num mundo que produz e desperdiça com velocidade crescente. Nossa civilização ocidental é marcada pelo “time is money”. A razão, calculadora, matemática e instrumental, (para usar os conceitos de GALIMBERTI, Umberto. Il Tramonto dell’Occidente, Feltrinelli Editora, Milano, Itália, 2005) tornou-se perita em relação aos números do dólar, da bolsa de valores, dos lucros e do capital, mas, ao mesmo tempo, cega e míope diante do número dos pobres e miseráveis que ficam à margem do caminho. Estes que, migrando de um lado para outro, tentam a todo custo sobreviver das migalhas que caem da mesa dos ricos.
Felizmente os imigrantes não são apenas vítimas. São também sujeitos, protagonistas de novos tempos. O fato de se deslocarem permanentemente, denuncia um mundo que nega a cidadania a milhões de seres humanos e, simultaneamente, anuncia a necessidades de mudanças profundas nas relações sócio-econômicas nacionais e internacionais. A própria condição de migrantes os faz profetas de um amanhã recriado, ao mesmo tempo que as remessas enviadas aos familiares indicam que a solidariedade é capaz de vencer o império do “evangelho liberal e capitalista”.