Década de amostra
Dom Demétrio Valentini
Era grande a expectativa para a chegada do ano dois mil. Em torno dele tinha se criado denso imaginário, onde não faltavam cenários apocalípticos, próprios de contextos do milenarismo.
A realidade se encarregaria de mostrar que a natureza continua com seu ritmo, e a história com sua dinâmica. O novo milênio carrega a herança do anterior, e precisa enfrentar os desafios recebidos.
Agora, já se passou a primeira década do novo século. Olhada com atenção, pode servir de amostra para o que nos aguarda no futuro próximo.
Alguns acontecimentos se destacam. O atentado de onze de setembro, o poderio econômico da China, e a crise ambiental, para ficarmos com alguns sintomas mais evidentes.
A virulência da derrubada das torres gêmeas, a 11 de setembro de 2001, se paramentou perfeitamente com a liturgia midiática dos grandes espetáculos. Mas não deixou de transmitir um recado claro e contundente. As torres gêmeas eram símbolo da escandalosa concentração econômica, eticamente perversa, e ecologicamente insustentável. Num mundo cada vez mais globalizado, vão ficando sempre mais intoleráveis as injustas desigualdades sociais, produzidas por um sistema econômico explorador e excludente. Os excluídos já não toleram os injustos privilégios excludentes.
O atentado de 11 de setembro levanta o claro desafio, de uma nova ordem econômica mundial, como tarefa impostergável para este século. Só assim, o mundo poderá cultivar uma razoável expectativa para o milênio. Se continuar do jeito como está, a economia mundial ficará inviável dentro de pouco tempo.
Um fato que chama a atenção, neste início de novo século, é a surpreendente ascensão da China no cenário mundial da política e da economia. A China está desequilibrando o mundo. Ela conseguiu a proeza inesperada, de juntar os dois piores ingredientes produzidos pelos embates dos últimos séculos, e colocá-los a serviço do seu crescimento econômico, às custas do verdadeiro desenvolvimento humano mundial. De um lado, ela continua com um regime político estatizante e ditatorial, no exercício de um comunismo radical e intolerante. De outro lado, adotou as práticas do pior dos liberalismos econômicos, explorando a mão de obra barata de centenas de milhões de chineses que estão na fila dos desempregados. Assim a China consegue invadir o mundo com uma gama de produtos cada dia mais ampla, fruto de uma nova forma de escravidão, que é repassada ao mundo inteiro, que se vê forçado a pagar menos os operários para manter a competitividade dos seus produtos. O “fator China” se faz presente em todas as situações.
Um dos claros desafios da política mundial, neste início de século vinte e um, é integrar a China no convívio da democracia, no respeito mínimo aos direitos humanos elementares.
Mas a amostra mais evidente desta primeira década do novo milênio vem revestida das cores da crise ambiental. No início deste milênio, está caindo a ficha da consciência ecológica. Os sinais são cada dia mais evidentes. O desequilíbrio se manifesta de muitas maneiras. O sintoma mais incontestável é o rápido derretimento das geleiras, que se constituem na maior reserva de água doce do planeta.
Ou a humanidade reverte este quadro, ou as conseqüências serão catastróficas, com o risco de inviabilizar o sistema vital em nosso planeta.
Entramos no novo milênio carregando nas costas as conseqüências de equívocos acumulados nos últimos séculos. A vantagem pode estar na consciência de que chegou a hora de enfrentá-los, com determinação e coragem.
O fracasso de Copenhague mostra que ainda não estamos preparados. Vamos mudar em tempo?