Dia mundial do refugiado
Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
O relatório anual do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), estima em mais 45 milhões o número atual de refugiados e deslocados internos ou “desplazados”. Número que se equipara aos 45,2 milhões de 2012, mas sofreu um aumento em relação aos 42,5 milhões de 2011. Somente na Síria, para citar um exemplo, nada menos do que 1,6 milhão de pessoas foram deslocadas desde o início dos conflitos, em março de 2011. As motivações são conhecidas e notórias: diferenças político-ideológicas, violência de tipos e graus diversos, conflitos armados, catástrofes climáticas, entre outros.
Para além dos números, porém, a situação apresenta um lado trágico muitas vezes invisível ou ignorado pela indiferença generalizada. O refugiado, quase sempre sem nome e sem rosto, é aquele que não pode voltar atrás. Habita uma encruzilhada escura e incógnita, sem qualquer possibilidade de retorno. Converte-se em um verdadeiro cidadão de um pesadelo, com as raízes expostas às intempéries. Voltando o olhar para trás, nada vê além de uma terra hostil, onde a perseguição (política, ideológica e/ou religiosa) pode levá-lo à prisão ou até ao risco de morte. Faltam-lhe “o sorriso da pátria e o conforto da fé”, para usar as palavras de Scalabrini, chamado “pai e apóstolo dos migrantes”. A única alternativa é a fuga, às vezes desesperada, em busca de um país de acolhida e refúgio, uma espécie e pátria provisória.
Voltando o olhar para a frente, nada vê além de um céu nebuloso e sombrio. As interrogações tomam o lugar das certezas, o horizonte lhe aparece cerrado e desconhecido. O chão como que lhe fugiu debaixo dos pés. A incerteza do futuro não permite aspirar o ar livre e aquecer o coração com o sol de uma nova aurora. Encontrará uma terra à qual possa dar o nome de pátria? Poderá reunir a família e voltar a viver em paz e serenidade? Será capaz de retomar suas atividades em termos de trabalho e de participação política? Formará um novo círculo de amigos e conhecidos? Perguntas sem resposta imediata, deixadas em suspenso, à espera de refúgio e segurança.
Em outras palavras, se o passado recente é marcado por sinais de discriminação e perigo de morte, o futuro imediato ainda se encontra desprovido de sinais de renovação e de vida. De fato, o termo refugiado indica alguém que, pelos mais diversos motivos, foi banido de sua própria pátria e lançado num limbo sem nome, pois ainda não encontrou um novo chão onde replantar suas raízes com a firmeza de uma árvore cheia de vida e vigor. Oscila entre um “ontem hostil” e um “amanhã incerto”, entre um céu/pátria que se converteu em inferno/abandono e do qual teve de escapar, e um inferno/abandono que ainda não emite sinais claros de um novo céu/pátria. Dispõe apenas de um refúgio transitório, ou seja, encontra-se na defensiva, sem vislumbre uma esperança sólida e segura. Viceja em lugar de viver!
Nesse contexto, que podem significar as palavras da Mensagem do Papa Francisco para o Dia do Migrante e do Refugido de 2014: “Migrantes e refugiados rumo a um mundo melhor”? A esperança de “um mundo melhor” permanece como um fio demasiadamente tênue para quem sofre um tal pesadelo. Um pesadelo real e concreto, sem o alívio de acordar e dar-se conta de que tudo não passava de um sonho. Pesadelo em que se mesclam e se confundem sentimentos e realidades adversas, tais como o sofrimento da separação, a saudade dos familiares e entes queridos, a precariedade dos acampamentos ou casas de acolhida, o risco constante das autoridades de um lado e outro, a falta de documentação, a insegurança quanto ao porvir… para não falar da solidão como companheira inseparável!
Apesar de tudo, diante do sofrimento oculto de tantos milhões de pessoas (e famílias), que tais palavras do Papa possam efetivamente alertar as autoridades, a Igreja, as instituições e organizações de base, enfim, toda a sociedade para a urgência de novas relações internacionais e de novas leis para refugiados, migrantes e itinerantes – um “mundo melhor” não somente no universo da mobilidade humana, mas em vista da justiça e dos direitos humanos, da paz e do desenvolvimento sustentável em todo planeta.
Roma, Itália, 16 de junho de 2014