Dom Helder, Pastor e Profeta
Antônio Mesquita Galvão
No dia 7 de fevereiro de 2009 o Brasil celebrou o centenário do nascimento de Dom Helder Pessoa Câmara, Arcebispo Emérito de Olinda e Recife, aquele que talvez tenha sido a voz brasileira mais conhecida no exterior. Junto com Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Helder, mercê sua inspiração e coragem, foi uma das personalidades mais temidas pela ditadura.
Eu tive oportunidade de conviver com ele quando lutávamos para implantar o movimento de Cursilhos em João Pessoa (PB), em 1981. Foi um privilégio posterior ouvi-lo pregar, quando em 1982 ele animou uma ultreya dos cursilhistas. Igual a um apóstolo ou a um Santo Antônio, as pessoas paravam, largavam o que estavam fazendo, para ouvi-lo falar. No dia da ultreya, o “guardinha” abandonou o controle do trânsito da esquina e entrou timidamente no salão das “dorotéias” para escutar o pregador.
O prelado era um homem corajoso e objetivo. É dele uma frase lapidar: “Se ajudo os pobres me chamam de profeta; se pergunto por que existe pobreza me tacham de comunista”. Uma vez, eu viajava de João Pessoa para São Paulo. O avião fez escala em Recife, onde Dom Helder embarcou. Os passageiros se levantaram e aplaudiram aquele homem idoso e sorridente, em sua característica batina cinzenta.
Dom Helder foi um injustiçado na vida e na morte. Enquanto o piloto Ayrton Senna e o cantor Leandro e outros menos notáveis, tiveram pompas fúnebres de celebridades, Dom Helder teve um funeral modesto, aliás, digno de um homem humilde. Por sua coragem profética, capaz de denunciar as injustiças sem medo, ele foi perseguido. Ele foi chamado, pelos corifeus da ditadura de “Arcebispo vermelho”. Em 1972 ele esteve cotado para receber o prêmio Nobel da Paz. Os generais, pessoas altamente “esclarecidas”, mexeram os pauzinhos para que ele não recebesse a comenda. Seria o único Nobel outorgado até hoje a um brasileiro. Foi igualmente perseguido pela ditadura religiosa, que nunca o fez Cardeal, em detrimento de outros, menos capazes, medíocres porém alinhados.
Uma vez, Dom Helder ligou para um empresário, pedindo um emprego para um irmão seu. Dias depois, o homem de negócios dá o retorno: “Tudo certo, Dom Helder, o rapaz já está trabalhando. Só não precisava dizer que ele era seu irmão. O senhor é Camara, e ele é Silva. Além disso, o senhor é branco e ele negro!” Como o bispo insistisse na tese da irmandade, o dono da firma perguntou: “Pode ser seu irmão ‘por parte de Adão e Eva’, mas não é seu irmão ‘de sangue’?”. A sentença do velho profeta é antológica: “Mas como não? Ele é meu irmão e irmão de sangue, sim! E o generoso sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, derramado na cruz, não nos torna irmãos de sangue a todos?”.
Solidariedade não dá Ibope. Por causa do filtro ideológico imposto à mídia da época, a maioria dos atos de Dom Helder nunca chegou aqui. Só quem morou no nordeste pode conhecer o que ele fez pelos pobres e excluídos. Com sua morte, aos 90 anos, em 1999, perdeu o Brasil, perdeu a Igreja, perdemos nós…