Dom José Maria Pires dá testemunho de “pessoa profética” no 12º Intereclesial
Conhecido como Dom Zumbi, por toda sua militância a favor da causa negra e por uma sociedade que respeite as diferenças, Dom José Maria Pires, Arcebispo Emérito da Paraíba, tomou para si uma das lutas mais difíceis de se enfrentar nesse país: a do combate ao preconceito.
Aos 90 anos de idade, a força contra as injustiças não arrefece. Pelo contrário, parece cada vez mais pulsante no religioso que, ao lado de Dom Helder Camara, sempre foi a favor de uma Igreja mais aberta para seus pobres, de uma Igreja que não excluísse suas minorias.
Dom José foi um dos participantes da programação do 12º Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base, que aconteceu até sábado (25), em Porto Velho (RO). Participou, juntamente com a senadora Marina Silva, do momento “Testemunhos de pessoas proféticas”. Logo após, a ADITAL conversou com ele. Confira.
Adital – O senhor falou que há avanços da Igreja para com os negros. O senhor acredita que a dívida da Igreja junto à população negra ainda é grande?
Dom José Maria Pires – Continua porque o preconceito ainda permanece. Os negros têm dificuldades de serem aceitos como negros. Sempre que há alguma coisa errada e há negros no meio, nunca ninguém pensa que a responsabilidade é do branco, sempre será do negro.
Como o preconceito ainda existe, inclusive nos seminários, nas organizações, a gente tem que continuar lutando. Preconceito não se vence com palavras. É toda uma prática. Na medida em que os negros vão ocupando mais espaços na Igreja e na sociedade, o preconceito também vai cedendo. Nas Forças Armadas, quantos negros estão como general? Quantos negros estão representando o Brasil nas Embaixadas da África? Então, o preconceito existe tanto no Estado quanto na Igreja. Mas hoje estamos mais conscientes e, aos poucos, esse preconceito vai perdendo força.
Adital – O governo tem implementado alguma política racial. Como o senhor avalia?
Dom José Maria Pires – Felizmente agora nós temos um governo que está mais aberto para essas diferenças. Nem sempre dá os passos que nós achamos os mais corretos. Mas a boa vontade dele de acertar e de ir acabando, de ir eliminando essas diferenças, esses preconceitos, isso a gente vê que é claro no nosso governo.
Adital – Os movimentos sociais se queixam ainda do reconhecimento das terras quilombolas. Como o senhor vê o processo?
Dom José Maria Pires – Sim, mas o fato de algumas [terras] já terem sido reconhecidas é um passo positivo. É um processo. Tem que examinar se realmente há uma tradição quilombola, quais as pessoas que entraram ali, quais as pessoas que estão querendo algum resultado com isso, se isso vai realmente fortalecer a cultura negra ou se há outros interesses. Então o governo também não pode se precipitar. Não é só pelo fato de “dizer” que é um Quilombo que [a terra] vai ser reconhecida. Tem que examinar historicamente e nesse ponto o Governo tem dado passos muito positivos.
O senhor trouxe, brilhantemente, a questão do preconceito para o 12º Intereclesial. Qual seria a missão das CEBs nessa questão?
Dom José Maria Pires – Graças a Deus, as CEBs têm um papel especial nisso. O simples fato de as CEBs serem gente da base, de haver tantos negros e negras nas Comunidades, elas estão se afirmando. Então, aos poucos, sem as CEBs entrarem numa campanha política, o que não tem cabimento, o fato de elas existirem é algo que vai quebrando os preconceitos.
Houve um tempo, em que nós estávamos na ditadura, então não tínhamos partidos políticos, sindicatos atuantes. Nesse momento, as CEBs tiveram que cobrir esse espaço. Acho que as Comunidades estão cada vez mais voltadas para aquilo que é essencial delas: mostrar a presença e a palavra de Deus orientando a vida do povo.
Vejo que as Comunidades têm dois pontos de referência: de um lado, a realidade; de outro, a palavra de Deus iluminando essa realidade. É isso que as CEBs estão fazendo hoje e elas devem continuar nesse papel, pois é isso que vai transformar a realidade.