Economia e Vida (I): a missão

Jung Mo Sung

Nas próximas semanas, uma boa parte das comunidades católicas e de outras Igrejas que participam da Campanha da Fraternidade Ecumênica vai começar a debater sobre “economia e vida”. Eu gostaria de contribuir nessa discussão com uma série de artigos (espero que eu possa manter o ritmo semanal) sobre o tema da CF.

Quero começar com a pergunta: qual é o assunto central da CF? Muitos poderão responder rapidamente que é a economia. Respostas rápidas assim podem nos levar a repetir os velhos esquemas mentais e nos fazer a reduzir a CF a discussões sobre temas e questões econômicas, como por ex., o desemprego, pobreza, economia solidária etc.

Entretanto, o tema proposta pela CF não é economia, mas sim a relação entre “economia e vida”, vista na perspectiva da fé cristã. Eu gostaria de destacar aqui duas dimensões dessa relação: a) a materialidade da vida; b) o aspecto teológico-espiritual da economia.

Há em muitas tradições religiosas, seja do Ocidente ou do Oriente, uma tendência de “espiritualizar” a noção de vida. Por exemplo, quando cristãos falam da salvação, uma grande parte pensa na salvação da alma. Isto é, estão preocupados com a vida eterna da alma. A vida que interessa realmente é a eterna de um “ser incorpóreo” (sem corpo). Com isso, a noção de vida vai se “espiritualizando” (no mal sentido), perdendo a sua dimensão corpóreo-material. Por isso, a missão das igrejas se concentra na evangelização ou na Pregação da Palavra entendidas como não tendo relação com aspectos materiais e econômicos da vida humana. A ação ou preocupação social em favor das pessoas pobres ou em necessidade se torna um complemento secundário à missão. O mais importante seria a salvação da alma.

Essa é uma das razões pela qual muitos grupos religiosos não se interessam pelo tema ou questões da economia nas suas discussões ou preocupações religiosas. Em grupos assim, o tema da CF deste ano não é importante para missão das Igrejas e será esquecido logo após a Campanha, se é que não será deixado de lado até mesmo no período da Campanha.

Essa separação é reforçada também, mesmo que inconsciente ou não intencionalmente, por grupos que assumem, em nome da sua fé, lutas econômicas e sociais, mas não conseguem elaborar um discurso religioso-espiritual capaz de articular de modo coerente a relação economia e fé. Esses grupos tendem a justificar as suas lutas e preocupações em nome da ética (bem-comum) ou da doutrina social da Igreja, mas não em relação à evangelização, salvação ou missão da Igreja. Infelizmente, muitos cristãos atuantes no campo econômico-social-político têm dificuldade em falar sobre evangelização, salvação ou missão, como se isso não fizesse parte do “cristianismo de libertação” ou como se “libertação” não tivesse muito a ver com salvação. (Provavelmente uma boa parte da responsabilidade disso cabe a teólogos, assessores e formadores).

A CF deste ano deve ajudar as comunidades a tomarem mais consciência da materialidade da vida e da íntima relação entre essa dimensão e a salvação. A Bíblia, diferentemente da filosofia grega que divide o ser humano em corpo X alma, nos ensina que, na criação, Deus insuflou nas narinas do ser humano “um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente” (Gn 2,7). Nós somos seres viventes e como tais lutamos contra a morte. E a imagem de “sopro de vida” nos lembra que a vida é o dom mais precioso que recebemos de Deus, que a vida vem de “dentro” de Deus (nosso Deus é Deus da Vida) e que, como sopro, a vida é algo frágil que precisa ser continuamente cuidada e preservada. Por isso, a Bíblia continua a narrativa dizendo que Deus fez brotar da terra “toda espécie de árvore formosa para ver e boas de comer”. A vida humana é para ser vivida na formosura, beleza, e com boa comida partilhada.

É pela mesma razão que Jesus disse que veio para que todos nós tenhamos vida e a tenhamos em abundância (cf. Jo 1010), assim como nós celebramos na eucaristia a memória de Jesus, que viveu e lutou para que a mesa compartilhada fosse uma realidade para toda a humanidade e, por isso, deixou o seu corpo como comida e o seu sangue como bebida. E na missa católica apresentamos, na oferta, “o pão que é fruto da terra e do trabalho do homem”.

A vida humana depende do trabalho e da “natureza”, depende também de como funciona a economia. E salvar a vida contra as forças da morte e contra as mentiras (8º. mandamento, na versão da Igreja Católica e 9º na versão das Igrejas protestante) e idolatrias que justificam essas mortes em nome de falsos deuses das (2º/3o. mandamento) é a missão do cristianismo e das igrejas.

Se perdermos de vista a dimensão material-econômica da vida, perdemos de vista o ser humano real e concreto e, assim, perdemos o núcleo da missão cristã e o que faz valer a pena sermos cristãos hoje, apesar de tudo. (No próximo artigo, o aspecto teológico-espiritual da economia).