Economia e Vida (X): lutas, frustrações e a espiritualidade

Jung Mo Sung

No artigo anterior eu sintetizei as últimas reflexões desenvolvidas nesta série afirmando que, para construirmos uma sociedade alternativa à atual “paz imperialista capitalista”, precisamos superar mais radicalmente o pensamento moderno que propõe uma ordem social baseada em um único princípio organizativo. Para isso precisamos criar um novo tipo de economia, de política e de política onde os conflitos aceitáveis (aqueles que não propõem a paz através da morte do outro) e as tensões entre as várias lógicas e culturas que compõem a sociedade sejam vistas como saudáveis.

Eu tenho consciência que para muitas pessoas essas idéias não fazem muito sentido. Parece que estou propondo uma solução no máximo “reformista”, que abdicou da noção de libertação, da construção de uma sociedade realmente nova ou da construção do Reino de Deus. Mas o que estou propondo é assumirmos radicalmente a nossa condição humana e buscarmos soluções possíveis dentro das condições da história, ao invés de confundirmos os nossos melhores desejos com possibilidade histórica. Faz parte da condição humana a nossa capacidade de desejarmos para além do que é possível. (Para uma discussão mais profunda desse tema, eu remeto ao livro “Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”, escrito por mim e Hugo Assmann.)

Na luta pela vida das pessoas concretas (e não por uma visão abstrata da vida), é fundamental a distinção entre o que é possível e o que é impossível. Há objetivos que são humana e historicamente possíveis, mas impossíveis dentro de condições históricas dadas ou dentro de um determinado tipo de sistema social. Nesses casos, precisamos lutar para mudar as condições históricas para tornar possível o que no momento é impossível. Em situações assim, a luta pela vida dos mais vulneráveis se dá em dois níveis: a) luta pela conquistas de objetivos concretos que são possíveis dentro do sistema ou condições históricas dadas; b) lutas para modificar o sistema social para tornar possíveis conquistas que só são possíveis em outro sistema. Um exemplo disso pode ser a luta pelo fim do sistema escravagista para que todas as pessoas sejam livres. Mas há também objetivos que estão além da condição humana e dos limites da história. Um exemplo disso é acabar com a morte.

Na maioria dos casos, nós não sabemos de antemão qual é o limite das possibilidades humanas. É através da ação que vamos descobrindo esses limites. É por isso que pessoas que estão realmente na luta concreta conhecem melhor os limites da condição humana. Por outro lado, pessoas que estão distantes das lutas concretas e se contentam em criticar tudo o que existe e defendem a vida de uma forma abstrata tendem a anunciar o seu desejo como objetivo possível de ser alcançado e costumam não reconhecer e nem aceitar os limites da ação humana.

Na verdade, aceitar os limites da condição humana frente aos nossos desejos não é algo fácil. Mesmo as pessoas que aprendem através das suas lutas, vitórias e derrotas os limites da condição humana e da história sabem que esse aprendizado não é algo fácil em termos existenciais. É um aprendizado que sempre traz junto frustração e muitas vezes somos tentados a achar que a luta não vale a pena porque não realizará plena e totalmente os nossos desejos. Nesses momentos pode ocorrer um grande aprendizado espiritual: a descoberta de que a luta, mesmo com frustrações, vale a pena porque mais importante do que os “meus” desejos e “minhas” frustrações é a vida concreta dos/as nossos/as irmãos/ãs. Essa é a experiência espiritual que nos faz continuar na luta, apesar de tudo…

Sem esse aprendizado espiritual, não é possível desenvolver as nossas (a minha, a do meu grupo e a dos pobres) potencialidades e alcançar objetivos possíveis. Quem busca objetivos impossíveis não realiza nem os possíveis, pois não sabe a diferença entre os dois, muito menos o caminho para realizar o impossível. Geralmente se contenta em fazer discursos grandiosos e, o pior, costuma “atrapalhar” aqueles/as que estão lutando de modo concreto.

A luta pela vida e, por isso, por uma economia que possibilite uma vida digna para todas as pessoas exige uma visão mais concreta da vida e da realidade social. Para as comunidades (eclesiais ou não) e grupos sociais isso significa em primeiro lugar práticas sociais e lutas no seu contexto social, contextos em que há rostos e corpos de pessoas que sofrem e tem esperanças de vidas melhores. Experiências espirituais e lutas que se dão no âmbito micro da economia e sociedade. Sem o nível concreto, micro, não há corpos de pessoas, não há vidas concretas. Mas como a própria palavra diz, o micro pressupõe a macroeconomia, e vice-versa. As lutas concretas se iniciam no nível micro, mas é preciso articulá-los, seja na análise ou na luta concreta, com o nível macro. E a luta no ambiente macro precisa estar conectada com as preocupações e a vida concreta que se vive no ambiente micro.

Um tipo de experiências que, no “campo da economia, vida e fé”, encarnam essas relações e tensões que estamos tratando aqui é o da “economia solidária”. Tema que abordaremos no próximo artigo.