Entrevista com a teóloga Maria Clara Lucchetti Bingemer
– Para o Cristianismo/Catolicismo, qual o significado da Páscoa?
– A Páscoa é a festa máxima do cristianismo. Celebra a ressurreição de Jesus Cristo, filho de Deus encarnado da morte para a vida definitiva. Celebrando isso, celebra também a convicção de fé de que os seres humanos, do qual Deus se fez definitivamente próximo em Jesus de Nazaré, também não devem ver na morte um ponto final da sua vida. Ou seja, com a ressurreição de Jesus de Nazaré, em quem a comunidade crista primeira reconheceu e proclamou o Cristo de Deus, não apenas Deus Pai pronuncia sua palavra definitiva sobre a história, declarando que a vida vivida no amor radical e até as últimas consequências não morre, como também a humanidade pode ter uma risonha esperança em que seu destino é viver para sempre com Deus graças a seu filho Jesus Cristo e à salvação que ele trouxe a todos os seres humanos. A festa da Páscoa celebra tudo isso.
– É possível fazer um paralelo entre o tempo de Cristo com os dias de hoje?
– Sim. Embora havendo grandes diferenças – Cristo viveu numa era pré-técnica, hoje vivemos numa época de grandes progressos tecnológicos, por exemplo – há muitas semelhanças. Havia naquele tempo e há hoje grupos que, desde o poder, oprimiam e excluíam os mais fracos, os diferentes: leprosos, doentes, crianças, mulheres. Havia e há alguns possuindo muito e muitos possuindo pouco ou quase nada, tendo falta do necessário até mesmo para sobreviver. Havia e há gente boa e esperançosa, aberta e humilde, que esperava nas promessas de Deus e na realização de seu reino e por isso escutou a mensagem de Jesus. Por isso, ontem como hoje, havia e há pessoas que voltaram as costas à mensagem pascal de Cristo e pessoas que a ela aderiram e entraram no movimento de seu amor redentor que transforma a história humana.
– No período da Páscoa, o martírio de Maria é próprio e especial. De forma bastante resumida, podemos dizer que é uma mãe que perde seu filho para um mundo injusto. Situação que, infelizmente, se repete hoje em muitas famílias. Qual foi a reação de Maria e como esta reação pode servir de exemplo para a nossa sociedade?
-Eu não diria martírio de Maria e sim sofrimento de Maria. Martírio é uma palavra teológica técnica e é usada para aqueles que tiveram morte violenta, derramando seu sangue para dar testemunho da fé cristã. Maria padeceu uma dor indizível com a paixão e morte de seu filho, sem dúvida, e sua situação e dor se repetem hoje com muitas mulheres que perdem seus filhos de maneira violenta ou veem seus filhos condenados a uma subvida por falta de recursos e condições de dar-lhes algo melhor. Maria não fraquejou nem perdeu a esperança um só minuto. Ela não entendia o que acontecia, mas conhecia profundamente o seu Deus. Por isso, esperava no Senhor seu Deus. Acompanhou seu filho até o fim e pôde viver plenamente a alegria de sua ressurreição. Ficou com os discípulos de seu filho após a morte dele e pôde viver com eles plenamente a alegria da ressurreição, assumindo com toda a comunidade de seguidores de seu filho a missão a ela confiada.
– Jesus, Maria, Judas são pessoas de bastante força alegórica, assim como histórica. Um salvador, um traidor e uma mulher forte. Além da literatura sacra, este influenciou inclusive a literatura geral. Como a senhora vê esta influência? Como a história de Cristo está presente na literatura?
– Na literatura universal há muitas vidas de Cristo célebres: a de René Bazin é uma. Há filmes também. Mas há versões mais atuais na literatura e no cinema que contam a vida de Jesus de maneira mais adaptada aos tempos modernos, que permitem às pessoas de hoje identificarem-se com Jesus como se fosse um contemporâneo seu. Por exemplo, Frei Betto tem uma vida de Jesus intitulada “Entre todos os homens”. Muito boa. Ele pôs o nome de seus amigos nos personagens. Até eu sou personagem desse romance. No cinema temos o filme canadense de Denys Arcand, “Jesus de Montreal”, que mostra Jesus entre um grupo de jovens no submundo de Montreal, Quebec. Ou “Godspell”, que conta a história de Jesus como se fosse um hippie em meio a um grupo hippie dos anos 1960 em Nova York. Tudo isso só demonstra como dois mil anos depois esse Galileu, que marcou para sempre a história da humanidade, continua atraindo as atenções para si mesmo. Mesmo quem não crê é obrigado a admitir: o mundo era um antes de Jesus Cristo e é outro depois dele.
– Durante sua vida, Cristo optou por parábolas para passar sua mensagem. Podemos entender também que já naquela época ele também revolucionou processos educativos?
– Sem dúvida. Falar em parábolas era um recurso pedagógico importantíssimo para que o povo pudesse compreender o alcance de sua mensagem, revestida de elementos que faziam parte do seu cotidiano. Assim, para um povo do campo, numa sociedade agrária, ele falava de semente, grão de mostarda etc. Se fosse hoje, falaria em internet, TV Digital, globalização. Certamente encontraria métodos e processos para transmitir a seus ouvintes o conteúdo fundamental que trazia: a boa nova do Evangelho, que afirmava que Deus é pai e ama incondicionalmente homens e mulheres que vêm a este mundo. E lhes oferece como dom uma vida que não termina nunca e é baseada apenas no amor.
Entrevista realizada pelo site www.conexaoprofessor.rj.gov.br