Entrevista: teólogo Benedito Ferraro fala sobre a força e importância das CEBs
O 12º Intereclesial começou ontem (21), em Porto Velho (RO), colocando em evidência a atuação das Comunidades Eclesiais de Bases, as CEBs. Estima-se que em todo o Brasil existam entre 80.000 e 100.000 Comunidades atuantes, número bastante expressivo que reflete a força que Igreja tem no incansável trabalho de trabalhar a fé cristã, seguindo o preceito da “boa notícia aos povos” em realidades sociais bem distintas.Em entrevista a ADITAL, o teólogo e assessor da Ampliada Nacional das CEBs, Benedito Ferraro, fala sobre a caminhada feita pelas Comunidades, os desafios e as expectativas para o 12º encontro que reúne cebianos e cebianas de todo o país.
Fala ainda sobre a necessidade de se criar um novo Estatuto Eclesial. Nele, se reverteria a dívida pendente que a Igreja tem com as mulheres (que são 70% das pessoas que formam as CEBs). Confira.
Adital – Como podemos definir as Comunidades Eclesiais de Base hoje?
Benedito Ferraro – As CEBs têm uma história e a grande preocupação das Comunidades é responder aos problemas do contexto em que vivem. Nesse sentido elas são originárias do pensamento e da mística do Vaticano II que mostra que as alegrias, as esperanças, tristezas e angústias das pessoas de hoje são também as alegrias, as esperanças, tristezas e angústias dos discípulos e discípulas de Jesus Cristo. Então eu defino as CEBs hoje como a forma em que o Cristianismo quer atuar no mundo anunciando o Evangelho, naquela compreensão bem clara do Evangelho que é a boa notícia anunciada aos povos.
Então elas arrancam a partir do chão da vida dos pobres e tentam fazer a ligação da fé com a vida, no sentido de que a espiritualidade e a mística devem desembocar numa perspectiva de libertação. Libertação em todas as dimensões da vida. Libertação econômica, política, cultural, erótico-sexual, pedagógica, litúrgica. Hoje, como diz o Leonardo Boff, na medida do possível, elas devem se tornar também Comunidades Eclesiais Ecológicas de Base, já que se abrem para a grande questão da ecologia.
Adital – Dos anos 60 para os atuais, as lutas e os desafios mudaram? Como avalia a caminhada das CEBs? Há altos e baixos?
Benedito Ferraro – Acho que cada momento tem os seus desafios. Na época dos 60, 70 e mesmo 80, nós tínhamos uma grande ascensão do movimento popular. E como as CEBs estão enraizadas profundamente no movimento popular elas tinham uma força muito significativa, tanto no interior da sociedade como no interior da Igreja. A década dos 90, com a entrada, sobretudo no Brasil, do neoliberalismo, foi muito dura exatamente pelo descenso da luta dos trabalhadores.
Adital – E a que se deveu esse descenso?
Benedito Ferraro – À desestruturação dos sindicatos, dos movimentos populares, do desemprego em massa. Toda a época Collor e praticamente os dois mandatos do Fernando Henrique Cardoso foram momentos muito duros para a classe trabalhadora. E as CEBs ressentiram esse problema. As lideranças perderam seus empregos, as pessoas tinham que lutar pela sobrevivência, de forma tal que não conseguiam efetivar todas as expectativas que tínhamos na década de 80. Agora, sabemos que, como as ondas do mar, o movimento popular tem altos e baixos, e as Comunidades também tiveram momentos de muitas dificuldades. Nós vemos também que o pontificado de João Paulo II foi difícil para Teologia da Libertação, para as Comunidades Eclesiais de Base… houve muita pressão.
Adital – Atualmente muitos indicam o Documento de Aparecida como incentivo para a retomada das CEBs, retomada de uma outra Igreja possível. Pode falar um pouco sobre isso?
Benedito Ferraro – A Conferência de Aparecida retomou, agora, aquilo que era o filão fundamental, que estava presente em Medellín e Puebla, de modo especial, e eu penso que hoje a gente está tendo de novo um respiro, inclusive do ponto de vista eclesial, embora ainda não totalmente aberto, mas pelo menos reconhecido. Eu, pessoalmente, penso nisso porque mesmo com as modificações alteradas que demonstram uma não transparência no interior da Igreja, vendo ainda as Igrejas do mundo pobre como necessitadas de tutela, a gente percebe que mesmo assim os textos mantêm a perspectiva de Medellín, retomando aquela expressão que é fundamental: as CEBs são a célula inicial de estruturação eclesial. Como diz o padre José Marins, são Igreja no pequeno, mas são Igrejas em toda sua integralidade.
Adital – O 12º Intereclesial traz a discussão ambiental. Como as Comunidades estão lidando com o tema?
Benedito Ferraro – Penso que são dois os grandes desafios que temos nesse encontro. Essa tomada de conhecimento, da necessidade de uma consciência planetária, percebendo que as opções no micro têm repercussão no macro e vice-versa. Começar a perceber a importância de trabalharmos na linha da descoberta do valor da relacionalidade entre tudo, da interdependência entre tudo e entre todos. Usando a expressão do Boff, buscar a comunidade de vida, que respeita a pessoa e que respeita a natureza.
Como nós sabemos, a região Amazônica é de importância fundamental para o mundo. Mas não podemos simplesmente ficar numa visão de Amazônia. A partir da Amazônia essa tomada de consciência deverá nos ajudar nos diferentes países da América Latina, pois teremos também representantes de outros países, e nas diferentes regiões do Brasil. Precisamos ter essa perspectiva da defesa e do cuidado da natureza, na linha de “amazonizar o Brasil”.
No Sul, tem apenas 7% de extensão de Mata Atlântica. Então teríamos que repensar a perspectiva da mata, dos valores, da natureza, a partir do lugar onde nós vivemos. Acho que essa é uma repercussão fundamental do 12º Intereclesial.
E na dinâmica da missão, eu acredito que nós temos que superar e, portanto, criar a perspectiva de um outro modelo eclesial que não seja simplesmente pautado naquela visão – eu diria – imperialista. Os povos da Amazônia não têm possibilidade então a gente importa missionários. Ao passo de que eu penso de que a missão hoje é valorizar as comunidades, valorizar a dinâmica ministerial de toda a Igreja.
Consequentemente será preciso mudar a forma de organização eclesial. Por isso, estamos pensando, e não é de hoje, num novo Estatuto Eclesial.
Adital – Como seria esse Novo Estatuto Eclesial?
Benedito Ferraro – Aí entram muitas questões. Uma delas é a questão da participação da mulher. Em Aparecida houve avanços. Do ponto de vista da síntese, por exemplo, dos bispos da Igreja do Brasil, lá está dizendo que nós temos uma dívida histórica, pendente, em relação à ordenação das mulheres. Então temos refletido sobre isso. No Brasil, 70% dos que participam das Comunidades são mulheres. Das celebrações, que são efetivadas por leigos e leigas, 70% são feitas por mulheres. Então as mulheres são protagonistas. Consequentemente, acho que devemos buscar uma outra forma de convivência eclesial. E, portanto, superar determinadas barreiras que a nossa Igreja ainda não conseguiu ultrapassar.
Nota: A V Conferência Geral do Conselho do Episcopado Latino-americano e Caribenho aconteceu em 2007, na cidade de Aparecida, em São Paulo. A Conferência de Medellín aconteceu em 1968 e a de Puebla, em 1979.
Mariana
jul 23, 2009 @ 21:42:56
Oi pessoal espero que tenham gostado das matérias que eu coloquei na página dos jovens.Colocarei mais matérias amanhã.