Espiritualidade Pascal: o Domingo
Dom Edmar Peron
“Em cada semana, no dia a que chamou domingo, a Igreja celebra a Ressurreição do Senhor, como a celebra também uma vez no ano na Páscoa, a maior das solenidades, unida à memória da sua Paixão” (Sacrosanctum Concilium, 102). Mas a cada domingo celebramos a Páscoa? Já não bastaria celebrá-la uma vez por ano e, assim, ficar livre nos outros domingos para sair da Cidade ou ir ao Shopping? Bem, que o domingo seja dia de repouso e de alegria, a Igreja não nega (mesmo que a sociedade a apresente o domingo cada vez mais como um dia qualquer de trabalho para muitos homens e mulheres), assim como não deixa de nos convocar para a celebração, reunidos em comunidade. Vejamos alguns textos que podem nos ajudar a meditar sobre esse assunto.
A cada celebração dominical, desde a Páscoa, a leitura do Evangelho nos tem proposto o Domingo como dia do encontro com o ressuscitado. Maria Madalena, “no primeiro dia da semana, foi ao túmulo de Jesus bem de madrugada, quando ainda estava escuro” (Jo 20,1 – Domingo de Páscoa). Os discípulos se reuniram “ao anoitecer desse dia, que era o primeiro da semana” e, depois, outra vez os encontramos reunidos no domingo e, dessa vez, “Tomé estava com eles” (Jo 20,19.26 – Segundo Domingo da Páscoa). São Lucas nos apresenta Jesus caminhando com os dois discípulos de Emaús, “nesse mesmo dia”, isto é, “no primeiro dia da semana” (24,1.13 – Terceiro Domingo da Páscoa). Assim, a partir desses evangelhos, podemos dizer que a experiência do encontro com Jesus ressuscitado que fizeram Maria Madalena, os Apóstolos e os discípulos que iam para Emaús aconteceu no domingo.
A Igreja, no Concílio Vaticano II, resgatou o Domingo como “principal dia de festa, […] dia da alegria e dia do repouso” (SC 106). Esse é o dia no qual nos reunimos para fazer memória da Paixão, Ressurreição e glória do Senhor Jesus e dar graças a Deus que em sua “grande misericórdia”, ao ressuscitar Jesus dentre os mortos, “nos fez renascer para uma esperança viva” (1Pd 1,3). E fazemos isso de modo particular pela celebração da eucaristia, pela qual anunciamos a morte do Senhor e proclamamos a sua ressurreição, até que ele venha (1Cor 11,26 – Oração Eucarística). Podemos, pois, com toda confiança proclamar que o Domingo, pela ressurreição de Jesus dentre os mortos, é o dia que o Senhor fez para nós, dia de exultação e de alegria.
Lembro um testemunho. Em tempo de perseguição, no ano 304, em Abitene, atual Turquia, 49 cristão foram pegos reunidos no domingo, enquanto celebravam a Eucaristia – o que lhes era proibido pelas leis do imperador Dioclesiano; ao serem interrogados no tribunal sobre tal desobediência, um deles, chamado Emérito, respondeu: “Sine dominico non possumus”, ou seja, nós não podemos viver sem nos reunirmos em assembleia no domingo para celebrar a Eucaristia. Faltar-nos-iam as forças para enfrentar as dificuldades quotidianas sem sucumbir. Depois de terríveis torturas, os 49 cristão foram mortos. Eis os mártires do domingo. Sobre esse assunto, meditemos a homilia de Bento XVI, em Bari, no dia 29 de maio de 2005.
Desse modo, a espiritualidade pascal inclui a vivência do Domingo: reunir-se para celebrar, alegrar-se no Senhor e repousar. É claro que esse ideal é, em nossos dias, uma profecia daquela liberdade que Deus oferece aos seus filhos e filhas. Como vivemos o Domingo? Deixemo-nos impulsionar pelos mártires de Abitene: sem o Domingo, o dia do Senhor, nós não podemos viver!