Ética e o caso Bruno
J. B. Libanio
O delírio e o quase gozo sádico da imprensa sobre o caso do goleiro Bruno nos estarrece. Confunde-se facilmente o horror do crime com a pessoa do criminoso. Nenhum crime merece uma palavra sequer que o justifique. Estupros, assassinatos, pedofilias, assaltos, sadismo perverso, corrupção, suborno formam horripilante ladainha da maldade humana. A ética existe para alertar-nos contra a indignidade de tais condutas que terminam destruindo interiormente os atores e enodoam a humanidade.
Trabalhar eticamente tais temas em profundidade, educar as crianças e jovens para não enveredarem por tais crimes, discutir em nível sério os fatores culturais alimentadores de tais maldades não enchem manchete alguma de jornal.
No entanto, a principal missão da educação na família, na escola, nas Igrejas e por meio da mídia consiste na formação ética das pessoas. Infelizmente se prefere descobrir casos concretos de criminosos e fazer desfilar diante de nós a ficha escura deles, de seus familiares, exibindo o gáudio doentio de delegados a demonstrarem acuidades no desvendamento do crime. O conhecimento do crime e a punição do criminoso são necessários, mas ética e culturalmente serviria mais à humanidade, se tudo fizesse no silêncio respeitoso das pessoas e na serenidade reservada do judiciário.
O crime como espetáculo parece enfermidade de todos os tempos. Crê-se que quanto mais o criminoso se veste de horror em face da sociedade mais se desestimulam outros a se meterem por tais caminhos. Leda ilusão! Desconhecem-se os refolhos da psique humana. Há enorme quantidade de criminosos potenciais que nunca teriam dado o passo ao crime se lhes faltasse um último empurrão. E este vem pelo efeito de demonstração de personagens criminosos exibidos na TV.
A mania dos filmes americanos de longa data de lançarem na tela a violência assassina está certamente, entre outros fatores, na origem do crescimento da criminalidade juvenil e bruta. E para combatê-la lançamos, de um lado, água sobre o seu fogo por obra de melhor serviço repressivo policial e, de outro, jogamos a gasolina da propaganda sedutora do crime pela mídia.
Duvida-se, portanto, da eticidade de ambas as medidas. Suspeita-se que, no fundo, estão interesses de outra natureza. Não se pensa seriamente a gravidade do problema e não se busca na educação da população o caminho de solução. Esse implica paciência, tempo, investimento cultural, melhoria de escola, criação de espaços lúdicos e artísticos em vez de exibição de violência. Em lugar de apresentar a triste e humilhante figura do ex-goleiro do Atlético com monstruosidades verdadeiras ou simuladas, todos ganharíamos com manchetes de artífices da paz, de jovens levando cultura e saúde aos interiores do país, de médicos sem fronteira, de missionários heróis em situações de miséria e sofrimento, de tantas e tantas maravilhas humanas sepultadas no silêncio.