Gritar é preciso!
Dom Demétrio Valentini
O Dia de Pátria vem agora associado ao Grito dos Excluídos. Isto acontece desde 1995, quando esta iniciativa foi realizada pela primeira vez, sem nenhuma pretensão de criar tradição. Parecia se limitar ao contexto daquele ano, em que a Igreja Católica tinha promovido a Campanha da Fraternidade sobre Os Excluídos.
Mas a iniciativa repercutiu tanto, que logo despertou a idéia de ser colocada na agenda de cada ano, como gesto simbólico e aglutinador das demandas políticas postuladas pela cidadania no contexto da celebração da Independência do Brasil.
Não é difícil perceber agora, quando o Grito já está na décima quinta edição, as razões de sua aceitação e inclusão na agenda do Dia da Pátria. Dá para perceber uma confluência de intuições, que deram consistência ao Grito dos Excluídos.
Em primeiro lugar, a semelhança histórica com o folclore oficial do “Grito do Ipiranga”, que vem associado a esta data. Se um “grito” despertou o Brasil para a sua independência, fica evidente que ainda existem razões para continuar gritando, para despertar a nação para causas importantes que estão em jogo!
Outra intuição acertada foi associar, deste o início, a realização do Grito dos Excluídos com a Romaria dos Trabalhadores. E´ muito salutar vincular a independência do país com a causa do trabalho, com todas as implicações que esta associação coloca para a nação.
Outra providência que veio dar consistência e garantir apoio estratégico à realização anual do Grito dos Excluídos, foi o fato de ele ter sido assumido oficialmente pela assembléia da CNBB, ainda em 1996, como parte integrante do seu plano de pastoral. A partir daí, o Grito passou a fazer parte da agenda pastoral da CNBB, mesmo deixando em aberto a maneira de ser realizado em cada diocese.
A vinculação com a Romaria dos Trabalhadores associou o Grito ao contexto do Santuário de Aparecida, que assim se tornou referência nacional a estimar a realização do Grito em outros lugares também.
Estes detalhes explicam por que o Grito “veio para ficar”, em outra alusão à biografia de D. Pedro Primeiro!
Sua identidade histórica é garantida pela manutenção de sua primeira bandeira, erguida ainda em 1995, com a afirmação enfática de um critério ético indiscutível: “a vida em primeiro lugar!”.
Mas a este apelo, cada ano se acrescenta outra motivação, que venha ao encontro do momento que o Brasil vive, ou do ponto estratégico que é preciso acionar, ou da denúncia candente que se deve fazer.
Por exemplo, quem não sente, neste ano, vontade de gritar contra o clima de corrupção que tomou conta do Senado?
Mas desta vez o Grito prefere nos convocar para uma ação positiva, como é a organização popular, em vista de urgir transformações decisivas para a vida da nação. Daí o lema do Grito deste ano: “A força da transformação está na organização popular”.
É um apelo que tem sempre sua validade, e parece desprovido de mordência. Mas se olhamos um pouco melhor o clima político que vivemos agora no Brasil, percebemos que este alerta chega em boa hora, e é urgente entender o seu recado.
Estamos em tempo de refluxo da cidadania. Corremos o risco de incidir num sério equívoco. A atuação mais pontual do Estado, seja no atendimento de demandas sociais básicas, como na intervenção mais ativa na macroeconomia, não pode acomodar a cidadania, nem desmobilizar sua articulação social e política.
A cidadania precisa manter o Estado sob suas rédeas, para que ele cumpra os objetivos que a cidadania lhe confere. Quando esta dinâmica se inverte, a cidadania se atrofia, e o Estado começa a exorbitar de suas funções.
Desta vez, o Grito dos Excluídos nos alerta para a importância da organização popular. Vale a pena gritar esta verdade aos quatro ventos de nossa Pátria, na data de sua independência!