Hollywood à brasileira

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS

Nas últimas semanas, nossas próprias casas se converteram em verdadeiras salas de cinema. A todo o momento a “telinha” inundava a sala de visitas dos lares brasileiros com as imagens hollywoodianas da ocupação do complexo de favelas do Cruzeiro e do Alemão. As policias civil e militar e as forças armadas, com um aparato sem precedentes e com milhares de soldados em posição de combate, protagonizaram cenas dignas dos filmes de Hollywood ou da Tropa de Elite I e II. A ficção imita a realidade ou a realidade imita a ficção?

Sem dúvida, o combate ao narcotráfico e ao crime organizado é necessário, urgente e oportuno. O alívio e a colaboração dos moradores dos morros da “cidade maravilhosa” constituem a maior prova disso. Tornava-se urgente libertar as famílias do peso e da exploração que há décadas mantinha curvada e pisoteada a dignidade dos cidadãos. O crime organizado não pode sobrepor-se ao estado de direito, agindo à revelia da lei e fazendo reféns bairros inteiros. A confusão e mescla entre traficantes, usuários de droga e trabalhadores acabou criando, ao longo dos anos, não poucos equívocos. Tomara que o pesadelo dos tiroteios e das balas perdidas se torne coisa do passado!

Mas, em tudo isso, fica uma inegável sensação de espetáculo “para inglês ver”, especialmente se levamos em conta a Copa do Mundo (2014) e as Olimpíadas (2016). É como se as autoridades estivessem jogando para a platéia internacional, mostrando que o país tem condições, sim, de abrigar eventos de envergadura mundial. Cabe, pois, a pergunta, uma pergunta que não quer calar. O que de fato está em jogo: a proteção dos turistas atraídos a um dos mais divulgados cartões postais do Brasil, ou a segurança da população que aí vive e trabalha, luta e sofre, sonha e espera?

Terminado o espetáculo, como ficará o dia-a-dia de quem mora nesses morros? Eis outra pergunta incômoda, quase sempre silenciosa e silenciada, mas que certamente aperta o coração e a alma de muitos cariocas. É verdade que essa sensação de jogo cinematográfico se deve menos à postura de determinadas autoridades, como, por exemplo, o secretário de segurança do Rio de Janeiro, do que às manchetes sensacionalistas repetidas à exaustão. De fato, José Mariano Beltrame, com os pés no chão e com sólida responsabilidade, tem insistido que as ações efetuadas no Cruzeiro e no Alemão constituem um passo, um apenas, de um processo lento, longo e laborioso de combate ao crime organizado. Outras vozes se manifestaram na mesma direção e com a seriedade que o momento e o caso exigem.

Entretanto, a mídia sensacionalista, falada, escrita e televisionada, nos dá a impressão de uma batalha decisiva e definitiva. Um golpe mortal no poder dos criminosos. Além disso, implícita ou explicitamente, passa a idéia de que o narcotráfico se reduz às periferias do Rio de Janeiro. No fundo, o que essa ação militarizada nos revela é apenas a ponta de um gigantesco iceberg, cujas ramificações, ocultas ou escancaradas, estendem-se hoje às principais capitais brasileiras, além das cidades fronteiriças, dos pólos urbanos médios e até das pequenas cidades. O exemplo mais flagrante é a chaga do crack e a proliferação das chamadas cracolândias. Chaga de um beco sem saída para os usuários em número crescente e suas respectivas famílias. Um verdadeiro processo terminal, onde o retorno é praticamente impossível.

O câncer da droga, da violência e do crime está em franca metástase por todo o organismo da sociedade brasileira, atingindo todas as classes sociais e praticamente todos os estados e municípios. As vítimas se contam aos milhões, envolvendo pessoas e famílias inteiras. Mas as crianças, os adolescentes, os jovens e os adultos sem perspectiva de futuro são, sem dúvida, os grupos mais vulneráveis e indefesos. Com o horizonte cerrado, tornam-se facilmente requisitados, aliciados ou forçados a integrar as milícias do crime organizado. Este, com efeito, mantém atualmente o “emprego” de milhares de pessoas desocupadas.

Como extirpar pela raiz esse tumor maligno? Não se trata apenas de um caso de polícia ou do exército. As forças militares podem e devem ocupar por algum tempo as ruas e vielas dos morros, para garantir a tranqüilidade dos moradores que procuram retomar o a própria existência. Necessitam preencher o vazio deixado pelos traficantes. Mas isso não resolve a situação. Tampouco se trata de aplicar analgésicos eventuais ou incursões brutais para ameaçar as facções armadas e, mais ainda, a população. Tais ações espetaculares devem ser acompanhadas de algo mais sólido e duradouro.

Numa palavra, o bisturi cirúrgico, neste caso, não pode reduzir-se à utilização das armas e do emprego da força. Embora o crime organizado tenha escolhido essa via, o poder público não pode nivelar as relações por baixo. Necessário responder com uma política de maior profundidade e amplidão: política pública, onde se leve em conta a educação, o esporte, a recuperação dos dependentes químicos, o lazer, um programa de emprego, novos valores éticos e humanos, enfim, toda uma ação conjunta de inclusão social, cultural e política. Projeto de curto, médio e longo prazo, não como vitrine para o mercado internacional do turismo, e sim como resgate firme e robusto da cidadania de amplos setores da população, há tempo paralisados pelo medo e pela falta de perspectivas futuras.

Em síntese, além da repressão ao narcotráfico, da prisão e isolamento de seus maiores responsáveis, impõe-se ainda uma ação de duplo aspecto: por um lado, é preciso investigar e punir a indústria da droga, a começar pelos representantes da mais alta hierarquia, não raro ocultos por traz da imunidade parlamentar, da cumplicidade das autoridades e da corrupção policial. Por outro lado, abrir oportunidades de trabalho e futuro para crianças, adolescentes e jovens em formação, procurando recuperar, ao mesmo tempo, os que já entraram no túnel escuro do vício.