Homilia do Papa Bento XVI no Dia Mundial da Paz
Queridos irmãos e irmãs:
Ainda envolvidos pelo clima espiritual do Natal, no qual contemplamos o mistério do nascimento de Cristo, hoje celebramos, com os mesmos sentimentos, a Virgem Maria, que a Igreja reverencia como Mãe de Deus, enquanto deu corpo ao Filho do Pai Eterno. As leituras bíblicas desta solenidade enfatizam principalmente o Filho de Deus feito homem e o “nome” do Senhor. A primeira leitura nos apresenta a bênção solene que os sacerdotes pronunciavam sobre os israelitas nas grandes festas religiosas: está marcada precisamente pelo nome do Senhor, repetido três vezes, como exprimindo a plenitude e a força que derivam desta evocação. Este texto de bênção litúrgica, de fato, recorda a riqueza da graça e da paz que Deus dá ao homem com uma disposição benévola para com ele, e que se manifesta com “resplandecimento” no rosto divino e no fato de “dirigi-lo” a nós.
A Igreja volta a escutar hoje estas palavras, enquanto pede ao Senhor para que abençoe o novo ano que se inicia, consciente de que, diante dos trágicos acontecimentos que marcam a história, diante das lógicas de guerra que infelizmente ainda não foram superadas, somente Deus pode tocar o coração humano e assegurar esperança e paz à humanidade. Está consolidada a tradição, que no primeiro dia do ano a Igreja, espalhada por todo o mundo, eleve uma uníssona oração para invocar a paz. É bom iniciar um novo caminhar andando com decisão em direção à paz. Hoje, queremos recolher o grito de tantos homens, mulheres, crianças e idosos, vítimas da guerra, que é o rosto mais horrível e violento da história. Rezemos hoje para que a paz, que os anjos anunciaram aos pastores na noite de Natal, possa chegar a todos os lugares: “paz na terra aos homens de boa vontade” (Lc 2,14). Por isso, especialmente com nossa oração, queremos ajudar cada pessoa e cada povo, sobretudo aqueles que possuem responsabilidade de governar, a trilhar sempre de modo decisivo o caminho da paz.
Na segunda leitura, São Paulo resume na adoção filial a obra da salvação realizada por Cristo, a qual está repleta da figura de Maria. Graças a Ela, o Filho de Deus, “nascido de mulher” (Gl 4,4), pôde vir ao mundo como verdadeiro homem, na plenitude dos tempos. Esse cumprimento, esta plenitude, refere-se ao passado e às expectativas messiânicas que são cumpridas, mas, ao mesmo tempo, também se refere à plenitude em sentido absoluto: no Verbo feito carne, Deus disse sua Palavra última e definitiva. No limiar de um novo ano, ressoa assim o convite a caminhar alegremente até a luz do “sol que nasce do alto” (Lc 1,78), pois, na perspectiva cristã, todo o tempo é habitado por Deus, não há futuro que não esteja dirigido a Cristo e não existe plenitude fora da de Cristo.
A passagem do Evangelho de hoje termina com a imposição do nome de Jesus, enquanto Maria participa em silêncio, meditando em seu coração sobre o mistério do seu Filho, que de uma forma tão singular é dom de Deus. Mas o trecho evangélico que ouvimos torna particularmente evidente os pastores, que voltaram “glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido” (Lc 2,20). O anjo tinha lhes anunciado que, na cidade de Davi, ou seja, Belém, havia nascido o Salvador e que encontrariam o sinal: um bebê envolto em panos e deitado numa manjedoura (cf. Lc 2,11-12). Partindo rapidamente, encontraram Maria, José e o Menino. Observemos como o evangelista fala sobre a maternidade de Maria a partir do Filho, o “Menino envolto em panos”, pois é ele – o Verbo de Deus (Jo 1,14) – o ponto de referência, o centro do acontecimento que está sendo realizado e é Ele quem faz que a maternidade de Maria seja qualificada como “divina”.
Esta maior atenção que as leituras de hoje dedicam ao Filho, a Jesus, não reduz o papel da Mãe; pelo contrário, coloca-a na justa perspectiva. De fato, Maria é verdadeira Mãe de Deus, precisamente em virtude da sua total relação a Cristo. Portanto, glorificando o Filho, honra-se a Mãe e, honrando a Mãe, glorifica-se o Filho. O título de Mãe de Deus, que hoje a liturgia põe em relevo, sublinha a missão única da Virgem Santa na história da salvação: missão que está na base do culto e da devoção que o povo cristão lhe reserva. De fato, Maria não recebeu o dom de Deus só para si, mas para levá-lo ao mundo: na sua virgindade fecunda, Deus deu aos homens os bens da salvação eterna (cf. Oração coleta). E Maria oferece continuamente sua mediação ao Povo de Deus que peregrina na história, rumo à eternidade, como antes a ofereceu aos pastores de Belém. Ela, que deu a vida terrena o Filho de Deus, continua dando aos homens a vida divina, que é Jesus Cristo e seu Santo Espírito. Por isso, é considerada a Mãe de todo homem que nasce para a Graça e, ao mesmo tempo, é invocada como Mãe da Igreja.
É no nome de Maria, Mãe de Deus e dos homens, que desde 1º de janeiro de 1968 se celebra em todo o mundo o Dia Mundial da Paz. A paz é dom de Deus, como ouvimos na primeira leitura: O Senhor nos dê a paz (Nm 06,26). Esse é o dom messiânico por excelência, o primeiro fruto da caridade que Jesus nos doou, é a nossa reconciliação e pacificação com Deus. A paz é também um valor humano a ser realizado no campo social e político, mas tem suas raízes no mistério de Cristo (cf. Conc. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 77-90). Nesta celebração solene, por ocasião do 44º Dia Mundial da Paz, estou feliz por poder dirigir minha cordial saudação aos ilustres senhores embaixadores junto à Santa Sé, com meus melhores votos por sua missão. Uma saudação fraterna e cordial se dirige também ao meu secretário de Estado e aos demais responsáveis dos dicastérios da Cúria Romana, com uma lembrança particular ao presidente do Conselho Pontifício “Justiça e Paz” e seus colaboradores. Desejo manifestar-lhes meu vivo reconhecimento pelo empenho quotidiano a favor de uma pacífica convivência entre os povos e da formação cada vez mais sólida de uma consciência de paz na Igreja e no mundo. Nesta perspectiva, a comunidade eclesial está cada vez mais empenhada em trabalhar, segundo as indicações do magistério, para oferecer um seguro patrimônio espiritual de valores e princípios, na contínua busca da paz.
Eu quis recordar, em minha Mensagem para o dia de hoje, com o título “Liberdade religiosa, caminho para a paz”: “O mundo precisa de Deus; precisa de valores éticos e espirituais, universais e compartilhados, e a religião pode oferecer uma contribuição valiosa na busca da paz, para a construção de uma ordem social e internacional justa e pacífica” (n. 15). Sublinhei, portanto, que “a liberdade religiosa é elemento imprescindível num Estado de direito; não pode ser negada sem que se afetem ao mesmo tempo todos os direitos e liberdades fundamentais, dos quais é síntese e cume” (n. 5).
A humanidade não se pode mostrar resignada à força negativa do egoísmo e da violência, não se pode habituar a conflitos que provocam vítimas e põem em risco o futuro dos povos. Diante das ameaçadoras tensões do momento, diante especialmente das discriminações, arbitrariedades e intolerâncias religiosas, que hoje agridem particularmente os cristãos, mais uma vez renovo o convite para que não cedam ao desânimo e à resignação. Exorto todos a rezar, a fim de que chegue a bom fim os esforços realizados em toda parte para promover e construir a paz no mundo. Para esta difícil tarefa não bastam palavras, é necessário o empenho concreto e constante dos responsáveis das nações, mas é sobretudo necessário que cada pessoa esteja animada pelo autêntico espírito da paz, que deve ser implorado sempre na oração e vivido nas relações diárias, em todo ambiente.
Nesta Celebração Eucarística, temos diante de nós, para nossa veneração, a imagem de Nossa Senhora do Sacro Monte de Viggiano, tão querida pelas pessoas de Basilicata. A Virgem Maria nos doa seu Filho, nos mostra o rosto de seu Filho, Príncipe da Paz: que ela nos ajude a permanecer na luz deste rosto, que brilha sobre nós, para que possamos redescobrir toda a ternura de Deus Pai. Que Maria nos ajude a invocar o Espírito Santo, para que renove a face da terra e transforme os corações, dissolvendo a sua dureza diante da bondade do Menino, que nasceu para nós. A Mãe de Deus nos acompanhe neste novo ano e obtenha para nós e para o mundo inteiro o desejado dom da paz. Amém.