Jesus, o ‘sem-teto’ de Belém
Fr. Marcos Sassatelli
Estamos, os cristãos católicos, no tempo litúrgico do Natal, que vai das vésperas do Natal até a festa do Batismo do Senhor, que, neste ano, celebramos domingo, 9 de janeiro/11. Na Missa da noite de Natal proclamamos solenemente: “Ó noite silenciosa! O desejado chegou! A promessa foi cumprida: tempo de espera acabou! Ó noite silenciosa! Chegou-nos o Emanuel (Deus conosco)! O clamor foi atendido, nasceu justiça do céu! (…) Ó noite silenciosa! Deus enviou seu Filho! Nasceu o sol do Oriente, a luz espalha o seu brilho! A vós, ó Pai, nesta noite os servos cantam louvor. Tornados filhos no Filho, no Espírito de Amor” (Proclamação do Natal).
Segundo o relato do Evangelista Lucas, naquela época, o imperador César Augusto mandou fazer o recenseamento em todo o império. Na realidade, o recenseamento era um instrumento de dominação e de cobrança de impostos. “Todos iam registrar-se, cada um na sua cidade natal. José era da família e descendência de Davi. Subiu da cidade de Nazaré, na Galileia, até à cidade de Davi, chamada Belém, na Judéia, para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. Enquanto estavam em Belém, se completaram os dias para o parto, e Maria deu à luz o seu filho primogênito. Ela o enfaixou, e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria” (ou, “dentro de casa” – como alguns traduzem) (Lc 2, 3-7).
Os primeiros que receberam a Boa Notícia do nascimento de Jesus foram os pastores. “Eu anuncio a vocês a Boa Notícia, que será uma grande alegria para todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vocês um Salvador, que é o Messias, o Senhor. Isto lhes servirá de sinal: vocês encontrarão um recém-nascido, envolto em faixas e deitado na manjedoura” (Lc 2, 10-12). Os pastores foram às pressas se encontrar com Maria e José, e o recém-nascido. Voltaram louvando e glorificando a Deus, e tornaram-se os primeiros anunciadores da Boa Notícia do nascimento de Jesus.
Quem eram os pastores? Eram pessoas “odiadas por não respeitar as propriedades alheias, invadindo-as com seus rebanhos e cobrando preços exorbitantes pelos produtos. Um pastor – segundo o Talmud babilônico – não podia ser eleito ao cargo de juiz ou testemunha nos tribunais, por causa da má fama e do desrespeito à propriedade” (Pe. José Bortolini, Roteiros homiléticos. Paulus, 2006, p. 3 – Missa da noite de Natal). Os pastores não eram, portanto, “pessoas de bem”.
Jesus, diríamos hoje, nasceu como “sem-teto” e anunciou a Boa-Notícia do seu nascimento aos “sem-terra” (os pastores). Nasceu rejeitado e excluído. “Veio para a sua casa, mas os seus não o receberam” (Jo 1, 11).
O Filho de Deus, o Salvador do mundo, não só se encarnou, assumindo a nossa natureza e a nossa condição humana na história, mas tornou-se solidário – afetiva e efetivamente – com todos aqueles/as que no mundo não têm voz e não têm vez, com todos aqueles/as que não “cabem” nas casas das nossas cidades: os empobrecidos, os oprimidos, os excluídos, os indesejados, os rejeitados e os descartados da nossa sociedade. Jesus se identificou totalmente com eles/elas, tornando-se um deles/delas.
Se Jesus, para citar um exemplo, tivesse vindo ao mundo em Goiânia em 2005, teria nascido na Ocupação do Parque Oeste Industrial, porque não haveria lugar para ele (e para seus pais José e Maria) nas casas da cidade. Ele teria sido perseguido (como tantas outras crianças da Ocupação, que estão traumatizadas até hoje), seus pais José e Maria teriam resistido, juntamente com os companheiros/as, mas enfim – por causa da ganância dos poderosos e da conivência da autoridades (os Herodes de hoje), teria sido barbaramente despejado, juntamente com seus pais e os outros moradores/as. Talvez, quem sabe, teria sido morto à queima-roupa, como Pedro e Vagner.
Jesus, em princípio, podia ter nascido no palácio do imperador de Roma ou em outros palácios, mas não o fez. Por quê? O que Ele quer nos dizer com isso? Qual é o sentido do Natal para nós? O que significa celebrar e reviver o Natal, hoje?
Muitas vezes, com nossos presépios bonitos e até luxuosos, em ambientes e Igrejas com ar condicionado e todo tipo de conforto, conferimos ao Natal uma aura romântica, que não tem nada a ver com o estábulo e a manjedoura, na qual Jesus nasceu.
É verdade que Jesus veio para todos/as, mas o caminho que Ele escolheu, para anunciar ao mundo a Boa-Notícia do Reino de Deus, não foi o caminho dos poderosos (dos Herodes de ontem ou de hoje), mas o caminho dos pobres, que é um caminho alternativo.
E nós, seus seguidores/as, será que escolhemos o caminho de Jesus? Será que, em nossas Igrejas e em nossas Comunidades, não estamos, muitas vezes, demasiadamente preocupados com comportamentos que visam o poder, o luxo, a riqueza, a ostentação e o triunfalismo? Será que não procuramos legitimar tais comportamentos proferindo as palavras, hoje muito comuns, “para Deus o melhor”? O que é o melhor? Será que o melhor está no ter (e não no ser)?
Será que, em determinadas situações, não nos “prostituímos” com nossos conchavos, com nossas atitudes bajuladoras e com nossas alianças ambíguas?
Na noite de Natal cantamos com alegria: “Noite feliz! Mas, do ponto de vista meramente racional, não foi uma noite feliz. Qual é a mulher grávida que gostaria de dar à luz seu filho numa manjedoura? Nenhuma, com certeza. Seria um caso de desrespeito à dignidade humana, de marginalização e de injustiça. Mas por que, mesmo assim, cantamos: Noite feliz!? Porque temos a certeza, à luz da fé, que estamos diante do grande mistério do amor infinito de Deus para conosco. Deus nos ama “até o fim” (Jo 13, 1), até não poder mais. Como é insondável o mistério do amor de Deus para conosco! Que prova de amor Deus no deu!
Jesus passou quase toda a sua vida no anonimato, vivendo – certamente com simplicidade e naturalidade – a vida de trabalhador, a vida de carpinteiro, juntamente com José, seu pai.
Nos poucos anos de vida pública – contam os Atos dos Apóstolos – Jesus, ungido com o Espírito Santo, “andou por toda parte fazendo o bem”, sempre ao lado dos mais pobres e necessitados. “E nós (os Apóstolos) somos testemunhas de tudo o que Jesus fez na terra dos judeus e em Jerusalém” (At 10, 38-39).
Mesmo, porém, “andando por toda parte fazendo o bem”, Jesus foi preso e acusado de subverter o povo (cf. Lc 23, 2), foi torturado e morto na cruz, que era a morte mais humilhante e mais vergonhosa possível. A solidariedade e a identificação com todos os rejeitados/as da nossa sociedade não podia ser maior. Ele, o Santo e o Justo, se fez bandido, se fez criminoso. Mas “Deus o ressuscitou e nós – dizem novamente os Apóstolos – somos testemunhas disso” (At 2, 32). E é justamente por causa da Ressurreição de Jesus que, no tempo litúrgico da Páscoa, cantamos alegres: “Vitória tu reinarás, ó cruz, tu nos salvaras”!
Na última Ceia, Jesus, depois de lavar os pés dos discípulos, perguntou: “vocês compreenderam o que acabei de fazer? (…) Eu lhes dei o exemplo e vocês devem fazer a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13, 12-15). Em outra ocasião, conversando com os discípulos, Jesus disse: “Quem de vocês quiser ser grande, deve tornar-se o servidor de vocês, e quem de vocês quiser ser o primeiro, deverá tornar-se o servo de todos” (Mc 10, 43-44).
Podemos dizer que Jesus revolucionou todos os critérios da convivência humana. E nós? Será que queremos realmente seguir Jesus, procurando “discernir os ‘sinais dos tempos’ à luz do Espírito Santo” e nos colocar a serviço do Reino de Deus? (Documento de Aparecida – DA, 33).
Um dia, “enquanto ia andando, alguém no caminho disse a Jesus: ‘Eu te seguirei para onde quer que fores’, mas Jesus lhe respondeu: ‘As raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça’ (Lc 9, 57-58). E, num outro encontro com os discípulos, Jesus acrescentou: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga” (Mt 16, 24).
Enfim, lembremos que: “O seguimento de Jesus é fruto de uma fascinação que responde ao desejo de realização humana, ao desejo de vida plena. O discípulo é alguém apaixonado por Cristo, a quem reconhece como o mestre que o conduz e o acompanha” (DA, 277).
“Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10-10).
Goiânia, 04 de janeiro de 2011.