Lições de Tegucigalpa
Dom Demétrio Valentini
A situação em Honduras preocupa cada dia mais. Os desdobramentos do precipitado gesto de destituir à força o Presidente Zelaya se apresentam cada vez mais complicados e colocam em causa a prática da democracia, especialmente nos países latinoamericanos. De imediato põem em risco a segurança de tantas pessoas, com o perigo da deflagração da violência que ameaça o povo hondurenho.
Evitar a violência deveria ser a primeira preocupação de todos os envolvidos mais diretamente no conflito. Em consequência, a predisposição para a o diálogo deveria ser assegurada de todas as maneiras. Mas, para que isto aconteça, agora é evidente que o diálogo só pode ser iniciado com a prévia demonstração de ambas as partes de que todos estão dispostos a ceder, para que se chegue a um consenso mínimo para a saída do impasse.
O fato de Zelaya ter se refugiado na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa não só aumentou o interesse da opinião pública, mas aumentou a responsabilidade do Brasil, já sinalizada pela decisão do presidente deposto de buscar refúgio junto à representação brasileira.
A questão ultrapassa os limites do pequeno país de Honduras e adquire significado mais amplo, sobretudo, no contexto latinoamericano, que parecia ter superado o período das ditaduras militares e retomado o caminho da democracia, consignada nas respectivas constituições nacionais.
Se permanecer a deposição do Presidente Zelaya, feita à força e de maneira truculenta, seria um duro golpe contra os frágeis regimes democráticos da América Latina e Caribe, quase todos eles, palco de escaramuças ditatoriais nas últimas décadas do século 20. Abriria um perigoso precedente, que ninguém seria capaz de imaginar os desdobramentos que poderia ter.
A angústia do impasse atual aponta com meridiana clareza a importância de se respeitar os procedimentos democráticos, para que sirvam de instrumento não só para implementar as decisões governamentais, mas também para solucionar, de maneira civilizada, os possíveis conflitos que a política pode suscitar numa democracia.
Neste sentido, o respeito à democracia, sobretudo, em seu ritual de procedimentos jurídicos e políticos não pode nunca ser dispensado. Em meio a uma espessa neblina de razões alegadas, não se justifica, de maneira nenhuma, a truculência praticada contra Zelaya, preso em sua casa e deportado à força para o exterior.
Este gesto profundamente equivocado deveria ter recebido o pronto repúdio internacional, com pressões eficazes para o imediato restabelecimento da democracia.
Pela maneira violenta como foi praticada, a deposição do Presidente Zelaya não pode ser justificada em nenhuma hipótese, mesmo que, democraticamente, ele pudesse vir a ser julgado e condenado, mas pela via de processo constitucional, e respeitando a sua integridade física e os seus direitos constitucionais. Errou quem praticou o golpe, e continua errando quem o justifica.
Outra lição a tirar é a validade do bom exemplo a ser dado pelos detentores do poder político. Uma democracia bem praticada comporta a alternância de poder, e não precisa temer a descontinuidade administrativa com a troca dos administradores.
Neste sentido, o Presidente Lula está dando para a América Latina e para o mundo um exímio exemplo de estadista. De todos os mandatários da América Latina, com certeza, Lula goza do maior prestígio, com excepcional aprovação popular ao seu governo. Se esta aprovação fosse pretexto de alterar a Constituição para lhe dar outro mandato, Lula seria o primeiro a merecer esta mudança. Mas, o fato de ele não postular um terceiro mandato se constitui em preciosa contribuição para solidificar a democracia.
Bom seria que este exemplo ajudasse na solução do impasse de Honduras, que todos acompanhamos com aflição.