Mães de presos, mães de presas, mães presas
Pastoral Carcerária
Por José de Jesus Filho
Assessor jurídico e membro da coordenação nacional da Pastoral Carcerária
Não tenho dúvida em afirmar que a pessoa presa pode perder tudo: liberdade, casa, emprego, amigos, parentes, e assim por diante. Mas há alguém que não a abandona: sua mãe. Diria mais, a mãe vai presa com ela ou com ele.
O Brasil conta hoje com mais de 400 mil presos, a maioria composta por jovens entre 18 e 25 anos. Muitos deles, ao ingressarem nas prisões, são esquecidos pela comunidade de onde vieram. Em São Paulo, a situação se agrava, pois as penitenciárias distam até 12 horas de onde vivem os familiares. A enorme distância constitui um dos fatores de maior desagregação dos presos em relação à família e à comunidade à qual originalmente pertencem.
No entanto, as mães não medem sacrifícios para assistirem os seus filhos, ainda que estejam presos em outros estados. De fato, mesmo formando uma massa empobrecida, sem recursos para manter-se, percorrem longos caminhos para estar com seus filhos mesmo que somente por duas ou três horas.
A peregrinação das mães, especialmente no Estado de São Paulo, começa na sexta-feira, quando se reúnem num mesmo local para tomar o ônibus que as levará até a penitenciária. Continua durante a viagem, nem sempre tranqüila, pois frequentemente são paradas pela polícia para revista. Afinal, são “mães de criminosos”. Aí se inicia as humilhações que prosseguem até a entrada da penitenciária, onde são revistadas, com a utilização de métodos incompatíveis com a dignidade da pessoa humana, como por exemplo, sentarem nuas em um banquinho detector de metais ou agachar por duas ou três vezes diante de funcionárias que nem sempre as tratam com respeito devido a todo ser humano.
A vontade e a necessidade de ver os filhos fazem com que as mães se submetam a tratamentos degradantes. Mesmo depois das humilhações na viagem e na entrada da prisão, caminham em filas até os pavilhões internos sob os olhares indiferentes de alguns funcionários, ou mesmo sob ofensas verbais. Presenciei um dia um dos funcionários chamá-las de “lixo”.
Para muitos presos, esses são os únicos momentos de alegria durante o longo tempo de cumprimento de suas penas. Os presos artistas, quando chega o dia das mães, enchem as paredes dos pavilhões com papéis decorados e lindas mensagens. É a maneira que eles encontram de homenageá-las. A visita é tão importante que, se a administração penitenciária quiser provocar uma rebelião, basta suspender as visitas e pronto, está armada a confusão. Pode se tirar tudo do preso, menos o direito de ver suas mães.
Há, porém, o outro lado da história. Não é incomum encontrar a situação de mães que vão ao presídio visitar seus filhos e recolher o leite que ele deixa de tomar para entregá-lo à sua genitora, pois é sabedor de que ela, lá fora, passa por mais necessidades do que ele, cá dentro.
Ser mãe de preso não é de fato uma experiência agradável, afinal, ninguém deseja ter um filho preso, dificuldade maior passam as mães presas. Elas e seus filhos.
A mulher sofre muito mais as conseqüências do aprisionamento do que os homens. E isso por duas razões:
Primeiramente porque representa apenas 5% da população prisional e, por esse motivo, não recebem a mesma atenção das autoridades oferecida aos homens, sua voz não se faz ouvir ante as autoridades constituídas, as quais reservam a quase totalidade de seus recursos para as prisões masculinas. Geralmente, às mulheres são destinadas, abandonadas ou já condenadas para outros usos tais como conventos, seminários, unidades de internação de menores, penitenciárias masculinas que já não servem para os fins a que foram construídas, mas agora custodiam mulheres.
Além disso, a vulnerabilidade da mulher em relação à saúde supera muito a do homem, pois necessita de cuidados especiais. O fluxo menstrual e a gravidez são suficientes para recordar a indispensabilidade de ginecologista e obstetra.
Em segundo lugar está o abandono quase total a que as mulheres são submetidas. Se os homens recebem visitas de suas mães e esposas as mulheres só tem visitas de suas mães, os esposos, não poucas vezes esquecem-na.
Os homens em São Paulo estão em penitenciária ou em centros de detenção provisória. Já grande parte das mulheres presas, principalmente aquelas que são mães, para não perder o contato com os filhos, permanecem em carceragem da polícia civil espalhadas pelo estado, prisões essas sem condições para abrigar seres humanos. Essas mulheres sacrificam seu próprio bem estar, aceitando viver em lugares insalubres e superlotados para poder ver seus filhos uma vez por semana.
Delicado também é o estado das mães presas e grávidas. Poucas recebem atendimento pré-natal e isso tem levado invariavelmente a abortamentos e complicações no parto. Muitas por falta de médicos na unidade prisional e escolta para levá-las para o hospital, iniciam o trabalho de parto na cela mesmo e têm seus filhos com a ajuda de outras presas.
Para aquelas que alcançam a graça de ver os seus filhos nascerem, podem passar até seis meses amamentando; em São Paulo são apenas quatro meses, depois, a família recolhe a criança ou o juiz da infância e o Conselho Tutelar assumirão o seu destino.
No ano passado, tivemos de assistir a um triste fato no interior de São Paulo. As mulheres eram levadas ao hospital e, depois do parto, eram separadas de seus filhos e recebiam uma injeção para secar o leite.
Por fim, quero lembrar das mães de presos que também estão presas. São poucos os casos, mas existem. Sofrem as mães, sofrem os filhos. Geralmente essa situação ocorre quando o filho assume dívida dentro da prisão, sua mãe, para não ver o filho morto por seus credores, aceita a indigna tarefa de transportar no corpo drogas para dentro da prisão e, assim, saldar a dívida. No entanto, são presas no ato da revista na unidade prisional e levadas diretamente para a prisão.
Pode parecer desagradável dizer essas coisas no mês das mães, mas desagradável mesmo é a realidade delas.
E se chamamos a atenção para esses fatos, é porque sonhamos que um dia não precisaremos mais contá-los.
Mães, feliz dia!