O Deus Desconhecido
Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
Vale a pena seguir os passos de Paulo em Atenas, no capítulo dezessete do Livro dos Atos dos Apóstolos (At 17,16-34). Ali, em meio a alguns filósofos epicureus e estóicos, o apóstolo faz um discurso no lugar de maior simbologia para a cultura grega: o Areópago. Consultando o dicionário Aurélio, o termo areópago significa “tribunal ateniense, assembléia de magistrados, sábios, literatos, etc.”. Na carta encíclica Redemptoris Missio (publicada em 7 de dezembro de 1990), o Papa João Paulo II usa a expressão “modernos areópagos” para referir-se aos novos lugares de evangelização. Entre eles, destaca em primeiro lugar o “mundo das comunicações”, citando justamente o encontro de Paulo no “centro de cultura do povo ateniense” (RM, nº 37).
Ontem e hoje a palavra remete a um lugar privilegiado de irradiação dos principais valores de determinada cultura. Lugar para onde convergem, onde se mesclam e se enriquecem e de onde partem as idéias mestras de uma sociedade. Uma espécie de conselho de membros da aristocracia pensante. Espaço físico na antiga Grécia, espaço virtual ou cibernético nos tempos da revolução informática.
Em seu discurso, e certamente não sem um leve um tom de ironia, o apóstolo Paulo diz que “percorrendo a vossa cidade e observando os vossos monumentos sagrados, vejo que sois os mais religiosos dos homens”. Diz ainda que entre os monumentos aos vários deuses helenos, “encontrei até um altar com a inscrição: ‘ao Deus desconhecido’”. E termina por deixar claro que é justamente “o que adorais sem conhecer que venho anunciar-vos”.
Paulo sente-se como que premido entre duas visões sagradas: de um lado os deuses do panteão helenista, de outro o Deus desconhecido. Em nome deste último ele se propõe “evangelizar”, isto é proclamar uma boa notícia. Talvez sua ironia esteja matizada por um toque conciliador, na medida em que procura reconhecer os valores sagrados dos anfitriões. Não se deve esquecer que Paulo é o “apóstolo das gentes”, que procura romper todas as fronteiras culturais.
De qualquer forma, com ou sem ironia e intenção conciliadora, as palavras que Lucas coloca na boca de Paulo confrontam os deuses conhecidos ao Deus desconhecido. Desconhecido e ausente, vale acrescentar, pois ao que tudo indica seu altar está vazio. Uma retrospectiva da história grega basta para verificar que os deuses conhecidos estão voltados para o passado. Remontam aos tempos primordiais, aos mitos fundadores, estando presentes na cultura helênica de poetas, dramaturgos e filósofos como, respectivamente, Homero, Sófocles e Platão. Habitavam o Olímpio e eram cultuados em momentos nos momentos significativos, kairológicos.
Por serem conhecidos, tais deuses eram também facilmente manipuláveis e manipulados. Com frequência são utilizados para justificar idéias e ações de difícil digestão. Ou para reinterpretar a história desde uma perspectiva marcadamente nacionalista. Aliás, o próprio Iahweh (Javé), cultuado pelo povo hebreu, não deixa de ser um deus por vezes demasiadamente conhecido. Apesar de seu rosto oculto e da impossibilidade de nomeá-lo e contemplá-lo face a face, o Deus do Antigo Testamento também se presta não poucas vezes a nutrir o nacionalismo religioso do povo de Israel. Seu zelo e seu ciúme, quando mesclados, fortalecem muitas vezes a distância e as barreiras entre “o povo escolhido” e as nações pagãs.
A vingança dos deuses no mundo antigo constitui um atributo da história das religiões. A cada página dessa história o leitor tropeça com a ira vingativa de Zeus ou de Iahweh. Diz com certa parcialidade Peter Gay: “Bíblicos ou clássicos, eles [os deuses] enfatizam uma única e majestosa sequência: violação da ordem, enfrentamento da punição, restauração da ordem. A punição era como o instrumento indispensável para remendar o rasgão que o crime havia feito no tecido social”. É o tema dos estudos de René Girard, especialmente nos livros A violência e o sagrado e As coisas escondidas desde o começo do mundo.
No Novo Testamento, o Deus de Jesus Cristo leva traços bem distintos de Iahewh. Por uma parte, mais íntimo e mais próximo, ao ponto de receber o tratamento de Abba (Pai); por outra parte, porém, mais ausente e mais silencioso, na medida em que se recusa a ditar leis, normas ou mandamentos. Mais conhecido através de um laborioso processo de incessante busca e, ao mesmo tempo, mais desconhecido por seus desígnios insondáveis. O Deus poderoso, estridente e guerreiro, da “Antiga Aliança”, cede lugar a um Deus simultaneamente forte e frágil da “Nova Aliança”. Forte e frágil porque, embora criador do universo, não intervém na liberdade da pessoa nem no curso da história humana. Age sempre dentro das coordenadas históricas, respeitando a fé e a abertura (ou descrença e fechamento) de cada um.
Seu silêncio insistente é conditio sine qua non da liberdade humana. Suas únicas armas são amor e perdão, misericórdia e compaixão. É esse o Deus que Paulo anuncia em Atenas! Embora revelado na pessoa de Jesus Cristo, permanece desconhecido em seu silêncio misterioso. Deus que, invisível e profeticamente irrompe na vida presente a partir do futuro. Irrompe e rompe com a tendência à lei da inércia. Nos acontecimentos imprevisíveis da história nos chama a dar novos passos à frente. Diferentemente dos deuses mitológicos, nos distancia do passado e nos faz avançar em direção a horizontes desconhecidos. Entretanto, nessa irrupção história, não nos toma pela mão nem coloca tapete para que nossos pés não tropecem. O Deus Abba é pai com o coração de mãe, jamais paternalista! Sua presença inefável não cabe na lógica da razão nem se enquadra nas palavras da comunicação humana. Sua manifestação permanece indescritível, interpelando a buscar respostas novas a novos desafios.
É mais cômodo quedar-se com os deuses conhecidos, e os gregos assim o fizeram, zombando de Paulo. Este, tão surdo à zombaria quanto os zombadores às suas palavras, segue adiante. Parte com as mãos vazias e o rosto triste, sem dúvida, mas o vigor apostólico não lhe diminuiu no coração ardoroso. Também hoje preferimos os desuses conhecidos do consumo, da moda, do sucesso, do dinheiro, dos privilégios, dos títulos, do espetáculo. Tememos o Deus silencioso e desconhecido, que se revela e se esconde, e que constantemente nos desinstala. Tememos o novo que subverte nossos esquemas já pré-fabricados, preferindo a mesmice de sempre. Mas o deus desconhecido é o verdadeiro Deus, Aquele que não gosta dos que já chegaram, nem dos que têm medo de partir, e sim dos que estão continuamente a caminho.