O homem mais frágil do mundo
Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
O refrão se repete por toda parte. Com letras garrafais na mídia escrita, com certa referência na mídia falada ou televisionada, com certo ar de mistério pelas ruas, botecos, feiras e praças do país: o presidente dos Estados Unidos é o “homem mais poderoso do mundo”. E Barak Obama, com esposa e filhas, desfila entre a capital do Brasil e o Rio de Janeiro com esse qualitativo impresso no cenário coreográfico de sua passagem. Além do mais, com seus discursos aparentemente improvisados, procura esbanjar simpatia e sintonia entre o “povo brasileiro” e o “povo norte-americano”.
A Coluna de Jânio de Freitas desta segunda-feira (FSP, 21/03/2011) abre leve brecha nessa imagem, mais construída que real. Se levarmos em conta a quantidade de policiais e soldados envolvidos na sua proteção; os blindados, helicópteros, carros e motos que acompanham a comitiva, o gigantesco sistema de segurança montado para receber o presidente junto com sua família e sua corte, o jogo espetacular e fantástico do palco onde o ator exibirá seu desempenho (para não falar performance) – então é preciso concluir que estamos diante do “homem mais frágil do mundo”.
Um prisioneiro de um presídio ambulante. Marcado pelo estigma da fobia, não dá um passo, sem que o terreno seja prévia e devidamente inspecionado; não ingere qualquer alimento, sem que tenha passado por uma rigorosa investigação quanto à origem e à preparação; não se desloca, sem a companhia de um batalhão de veículos motorizados e seguranças de estatura avantajada e óculos escuros; não fala, sem que seja atestada absoluto controle em todos os pontos ao alcance de sua voz. Um prisioneiro itinerante, sim, não obstante esteja rodeado de carcereiros de gravata e paletó.
Pobre homem, pobre liberdade! Expõe o medo doentio e mórbido de cada cidadão do mundo rico ou das regiões ricas do mundo pobre. Revela nossas próprias prisões, que insistimos em chamar de casas ou lares, onde nos encarceramos com a família. Habitações em que os muros se levantam cada vez mais altos, grades são chumbadas em suas extremidades, cães de guarda instalados nos jardins, câmeras espalhadas estrategicamente pelos condomínios, ruas, bairros e cidade, aumento do número de policiais privados. Os gastos com sistemas de segurança cada vez mais sofisticados, utilizando tecnologia de ponta, atestam, por um lado, uma fobia que só faz crescer e nos torna reféns de nossos jovens e adolescentes e, por outro, que nos convertemos em carcereiros de nós mesmos. Precisa acrescentar que tudo isso muitas vezes não serve para nada e que os roubos, assaltos e latrocínios registram índices que, ironicamente, parecem progredir na proporção do próprio investimento com segurança?
Voltando à passagem de Barak Obama ao Brasil, sua visita ao mesmo tempo vela e revela que “o rei está nu”, de acordo com a conclusão de Hans Christian Andersen, em A nova roupa do rei. E não só ele, mas todos nós que, diante das notícias diárias e sensacionalistas dos meios de comunicação, recheadas de violência e sangue, tiritamos de medo dentro de nossos lares profusamente revestidos com os artefatos da última moda em conforto e segurança. A sociedade está nua! Tanto mais nua quanto mais carecida de vistosas vestes para proteger-se. O presidente dos Estados Unidos aparece como um símbolo dessa nudez simultaneamente oculta e exposta. O homem mais poderoso da terra é também o mais frágil. O mais necessitado de um exército de homens, olhos eletrônicos e armas que o façam caminhar sem risco. Sua força imperial corresponde a sua fraqueza de homem encarcerado na teia de aranha de um sistema de segurança tão fantástico quanto fóbico.
Nos subterrâneos dessa liberdade prisioneira, desse luxo empobrecido, desse poder débil escondem-se relações socioeconômicas e político-culturais injustas e assimétricas. Mais do que um homem e sua família, o que esse batalhão de policiais e seguranças procura defender é uma ordem mundial que se tornou insustentável. O modelo de senhor e vassalo, império e colônia, Primeiro e Terceiro Mundo, histórica e estruturalmente consolidado e nutrido, agoniza em seu próprio esplendor. Os fogos de artifício sobem e caem com a mesma rapidez. O show pirotécnico dura poucos segundos de luzes, cores e brilho; depois tudo se converte em cinza. As multidões que erguem estátuas são as mesmas que as derrubam com o vento de sua fúria indomada. O herói de hoje costuma ser o vilão de amanhã.
A presença de Obama entre nós ajuda a refletir que não é apenas Muammar Cadaffi que se encontra nu e frágil diante das ondas turbulentas e contraditórias da história. Poder e glória são tão efêmeros quanto a moda e o humor da multidão. A figura do jovial e simpática do presidente dos Estados Unidos, hoje revestido de belas palavras, honras e poder, simboliza um amanhã de silêncio, de indignação e de fragilidade. Enquanto as torrentes subterrâneas da desigualdade socioeconômica, em nível mundial, não forem resolvidas, a calmaria da superfície tende a ser enganosa. Terremotos e tsunamis imprevisíveis ocultam-se por trás da diplomacia elegante, charmosa e sorridente. O ditado popular de que “as aparências enganam” serve como nosso ponto final.
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