O Papa em minha casa
Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
Como não lembrar os passos de Jesus, relatados pelos quatro evangelistas ! Nestes, a caravana de Jesus, como sabemos, jamais atropelava uma dor ou um grito de socorro. Ao menor sinal de sofrimento, Jesus se detinha, não raro enfrentando a resistência dos próprios apóstolos. Para o Mestre, mais do que a confissão religiosa ou o cumprimento da lei, a necessidade do pobre convertia-se em parada obrigatória.
Prevalecia o primado da acolhida, da justiça e do direito, da misericórdia e da compaixão para com as « multidões cansadas e abatidas » (Mt 9, 35-38).
Na Casa 81, como nas demais habitações ao redor, quem sabe quantos dramas, quantas tensões e quanto sofrimento habitam aquele espaço restrito, reservado e familiar ! Quem sabe quantos problemas relativos ao trabalho, à habitação, à saúde, à educação, ao transporte, à segurança !… Quem sabe, também, quantas « alegrias e esperanças, tristezas e angústias », quantas dores e temores, lutas, fracassos e vitórias abrigam aquela simples casa ! Ou ainda, quantos sonhos e esperanças ali nasceram, cresceram, morreram ou se realizaram ! Nessa, como nas casas vizinhas e em centenas de bairros periféricos do Rio, bem como das outras capitais e de todo o Brasil, os embates do cotidiano se desenrolam, misturando risos e lágrimas, sonhos e lutas, correria e inquietações.
Sim, uma casa como milhões de outras. Pobre, sim, mas talvez rica de vida e alegria, festa e entusiasmo, como poucos palácios suntuosos ; talvez dilacerada por divisões e conflitos familiares, doença, desemprego e pobreza, mas aberta à hospitalidade de quem necessita, como poucas mansões de alto luxo ; talvez sem saber se terà pão à mesa no dia seguinte, mas sempre pronta à solidariedade com o próximo, como poucas famílias milionárias. Uma casa onde é mais duro o combate pela sobrevivência, certamente, mas onde em geral o afeto cimenta as relações humanas de forma mais sólida, transparente e duradoura.
Bem ali, o Papa Francisco se detém e entra na humilde casa, visita aquela família até então desconhecida. Abraça e beija as pessoas, ouve e fala com grande atenção, enche o espaço com seu sorriso largo e seu coração em festa no meio da multidão. Um pastor que conhece o seu povo, da mesma forma que este também o vem conhecendo sempre mais, na sua grandeza de alma e simplicidade de gestos. Além de Jesus, impossível não lembrar o pobre de Assis, do qual o pontífice escolheu não somente o nome, mas também o louvor a Deus através de uma alegria contagiante, cheia de fé, confiança e entusiasmo juvenil e inebriante.
O gesto do Papa traz de volta a saudosa lembrança do chamado « trabalho de formiguinha » ou « trabalho de base » na pastoral de conjunto de décadas passadas. Visita às famílias mais necessitadas, presença nos porões e nas periferias da sociedade, contato vivo com as pessoas em seu ambiente – prática muito utilizada nas missões populares e na evangelização dos lugares mais afastados. Visita que marca, conforta e deixa marcas de esperança e de paz… Mas de forma particular atitude que, uma vez mais, remonta à prática pastoral do profeta itinerante de Nazaré. A Boa Nova de Jesus Cristo é proclamada muito mais pelas ruas e aldeias do que no templo. Muito mais entre pescadores, camponeses, povo de rua, gente indefesa, doente e marginalizada do que entre os fariseus, escribas e saduceus. Basta conferir a parábola do Bom Samaritano (Lc 10,13-35).
Muitas vezes o interior de cada família esconde « pequenos infernos » de sofrimento humano. Feridas vivas que custam a cicatrizar. Basta olhar para o interior de nossa própria casa. Quantas chagas abertas, quantas mágoas, quantos laços rompidos ! A presença de um representante de Deus em meio a esse sofrimento torna-se uma grande benção : um sacerdote, um religioso ou religiosa, um missionário ou missionária, um agente pastoral… Queiram ou não, do ponto de vista da fé popular, essas pessoas ligadas à Igreja, ou que em nome desta percorrem bairros e ruas, são protagonistas da Boa Nova de Jesus Cristo. O simples fato de entrar numa casa, onde às vezes reina a divisão e o rancor, o álcool, a droga e a violência, é como reafirmar que Deus não abandona aquelas pessoas. O Pai de Jesus jamais fecha a porta a quem bate, jamais vira o rosto a quem o procura. Reza-se no Credo que Jesus « desceu aos infernos » para arrancar-nos daí e elevar-nos ao céu do seu Reino.
Semelhante presença se concretiza num olhar de misericordioso, num ouvido atento e compreensivo, numa palavra de conforto e de paz, num toque de força e alento, num braço estendido, num sorriso de fé e esperança. Eis uma verdadeira forma de evangelização. Quando tudo isso vem reforçado pela visita do Pontífice da Igreja, evidente que se reforça, ao mesmo tempo, a « opção preferencial pelos pobres », como também a missão continental, grande compromisso com o Documento de Aparecida, da V Conferência do Episcopado Latino-americano e Caribenho.
Essa visita ao Rio de Janeiro, para o encontro com os jovens, representa oxigênio renovado numa Igreja que vem dando sinais de asfixia. Promessa de mudanças nas atitudes e nas relações. Vassoura nova para retirar o mofo dos cantos frios e obscuros, labirínticos, de não poucos setores da Igreja; para limpar o lixo acumulado sob o tapete ou o verniz da diplomacia ritualista e da hipocrisia formal ; para remover as teias de aranha que impedem relações abertas e saudáveis e, ao esmo tempo, a partir do próprio Evangelho, tecem vias tortuosas e distorcidas. Oxalá estejamos diante dos primeiros raios de uma nova aurora ou das flores de uma nova e vicejante primavera.
teresa norma
ago 13, 2013 @ 15:36:13
Que linda essa reflexão!