O pecado não está na camisinha
Dom Cristiano Krapf
O Papa Bento continua provocando o mundo com pronunciamentos que incomodam.
Na sua viagem pelo continente africano, o Papa convoca os católicos a lutar contra a pobreza, a violência, a corrupção e os abusos de poder. De suas mensagens apresentadas em muitas horas de discursos, a imprensa seleciona e critica palavras contra a camisinha.
Um homem foi abordado no meio da rua por uma pesquisadora que perguntou se costumava usar camisinha. Ele respondeu que não.
Ela insistiu: Nunca usou?
Ele: Nunca usei. Nem vou usar.
Ela: Não sabe que sexo sem camisinha é perigoso?
Ele: Perigoso? Por quê?
Ela: Tá brincando? Não sabe que ela oferece proteção contra o flagelo da Aids?
Ele: Sei, mas não preciso da proteção de camisinha. Tenho um método mais seguro.
Ela: Um método mais seguro? Como é?
Ele: Não cometer adultério.
É o caminho mais seguro para superar a proliferação da AIDS e de outras DST. Mas o mundo está em outra. Até cristãos não respeitam o sexto mandamento. Diante da propaganda de caminhos mais atraentes e fáceis, não se pode esperar que todos venham andar por caminhos que exigem renúncias e autodomínio.
No mundo existem 30 milhões de pessoas doentes de AIDS, metade na África, onde 25 milhões já morreram contaminadas pelo vírus HIV. Tal tragédia mundial vem provocando muita polêmica. Os resultados limitados dos investimentos bilionários na procura por remédios deixam mais evidente que prevenir é melhor que remediar.
Os preservativos são apresentados como solução segura e única contra as DST, e também para evitar a gravidez indesejada e o recurso a práticas abortivas. Mas a propaganda oficial já não fala tanto em sexo seguro. Nenhum cientista sério afirma que a camisinha oferece proteção total. No entanto, ter 90%, ou até 99% de proteção é melhor que ter nenhuma. Mas não é honesto esconder a possibilidade de falhas.
Pronunciamentos recentes manifestam o tamanho das divergências entre as advertências do Papa e as afirmações de outras pessoas sérias.
Diz o Papa, depois de afirmar que a Igreja está na vanguarda do combate à Aids: Esse problema não pode ser resolvido somente com a distribuição de camisinhas. Pelo contrário, isso piora o problema.
Tal afirmação é tradicional na Igreja que vê na obediência ao mandamento de não cometer adultério a melhor maneira de evitar a AIDS e outras DST.
Diz o ministro que a intromissão da Igreja prejudica o trabalho nos campos sexual e reprodutivo, quando não aceita o uso do preservativo, expondo as pessoas ao risco de adoecer ou morrer, ou quando não aceita que as mulheres usem métodos anticoncepcionais.
São acusações gravíssimas que não se resolvem com o recurso à autoridade e condenações dogmáticas contra posições divergentes da pregação da Igreja. Pior é existe até igreja cristã a distribuir preservativos. Será que é só para ganhar pontos na opinião pública? Ou marcar pontos contra a igreja católica?
Não é fácil entender e aceitar certas proibições adicionadas em vinte séculos aos 10 mandamentos da Bíblia. Alguns tentam facilitar o combate aos ensinamentos da Igreja falsificando suas posições. Não é verdade que a Igreja não aceita que as mulheres usem métodos anticoncepcionais como diz o Temporão.
Pelo contrário, ela recomenda a paternidade responsável baseada em métodos naturais de controle. O problema é que tais métodos são mais exigentes que o recurso fácil aos métodos artificiais de pílulas e camisinhas.
Diante da dificuldade dos argumentos da teologia moral baseados na obrigação de respeitar a dupla finalidade do sexo como ato de amor e abertura para a geração de filhos, os doutores da lei e da moral deveriam repensar o assunto. Relações sexuais praticadas apenas em dias inférteis também estão excluindo a geração de filhos e são renúncias que podem ser recomendadas, mas não podem ser impostas a todos.
A questão da camisinha para diminuir o risco de AIDS é mais complicada ainda. No maior país católico do mundo a Igreja condena seu uso, mas o Governo distribui dez milhões de camisinhas no carnaval e o presidente joga preservativos para o povo no sambódromo. Pelo jeito, os foliões não levam a sério a gravidade da ameaça da AIDS, ou não confiam na proteção das camisinhas, para precisar recebê-las como brindes pagos pelo contribuinte. Outra vez botaram camisinhas até nas cestas básicas. A meninada curiosa procurava saber para que servia aquilo e queria experimentar.
Muitos cristãos, mesmo católicos, também não levam a sério as condenações da Igreja. Mas o problema não é que tantos não obedecem à proibição da camisinha. A questão é mais grave. O pecado não está na camisinha. O pecado está no adultério que a camisinha favorece.
A preocupação dos promotores da camisinha que acham que a sua proibição pela Igreja seria culpada pela proliferação das DST não faz sentido. Se um católico não respeita um claro mandamento bíblico e comete adultério, por que iria respeitar o pormenor de uma proibição da Igreja e deixar de recorrer à proteção da camisinha? Quanto aos ateus, não adianta argumentar com a Palavra de Deus. Vão ligar para leis da Igreja? Nem jovens cristãos não aceitam mais proibições sem entender as razões.
É possível que o número de pessoas contaminadas por confiar na camisinha, que na hora H falhou ou não estava ao alcance da mão, seja maior que o número de pessoas que deixaram de usar camisinha para atender um preceito da Igreja. Quem obedece aos mandamentos não precisa de camisinha que é coisa para adúlteros.
A camisinha incomoda a Igreja por favorecer traições que minam a estabilidade da família e por facilitar a promiscuidade entre jovens de idade cada vez menor que atrapalha a construção de uma grande história de amor. Nosso tempo tem excesso de sexo e falta de amor. Dinheiro pode comprar até mulher, mas não pode comprar amor.
A Igreja tem toda razão de estar preocupada com a proliferação do sexo “livre” que corrompe uma das maiores conquistas do cristianismo, a família construída sobre o fundamento sólido de um grande amor entre um homem e uma mulher, amor que transborda na geração de filhos e na sua educação no aconchego do lar protegido pela fidelidade.
Numa perspectiva de fé, não vejo porque um adultério com camisinha seja pior que um adultério sem camisinha. Por que é que um marido infiel não devia procurar evitar pelo menos a contaminação que pode estragar a vida familiar não só no plano espiritual da convivência, mas também no plano material da saúde?
Do jeito que as coisas são apresentadas pode ficar a impressão que se condena mais a camisinha que o adultério. Acho que a Igreja não devia perder tanto tempo na luta inglória contra preservativos. Devia concentrar suas energias na luta contra o pecado do adultério. Melhor, a favor da castidade dos solteiros e da fidelidade dos casados.
O mundo não precisa tanto de proibições e condenações, mas de motivações. A contribuição maior da Igreja para um mundo melhor não é falar contra o pecado e excluir o pecador. A Igreja precisa ajudar o jovem a descobrir a beleza do caminho apontado por Jesus que resumiu toda lei no amor a Deus e ao próximo.
Não é hora de recair na mentalidade farisaica de querer enquadrar a vida toda nos pormenores de leis e proibições. É hora de cuidar da solidez dos fundamentos da fé e da vida cristã e deixar cada um tirar as consequências na sua vida pessoal, com liberdade e responsabilidade.
Se o sexto mandamento proíbe o adultério aos amantes, é para proteger um amor maior. Os mandamentos só podem ser entendidos em relação ao amor. Quem ama não mata. Quem ama não trai. Quem ama sabe esperar. O primeiro requisito do amor é a luta pela justiça. E a justiça começa em casa.
Jequié, 19 de Março de 2009, na festa de São José, convocado para cuidar do menino Jesus com Maria.