O perigoso lazer da juventude urbana
Maria Clara Lucchetti Bingemer
Há cerca de um ano, escrevi um artigo sobre o atropelamento de Pedro, filho de uma amiga. Falava da violência e da impunidade nas cidades grandes, onde um rapaz de 26 anos é atropelado irresponsavelmente por alguém que o deixa semimorto na rua e foge. Pedro, graças a Deus, vai se recuperando milagrosamente, surpreendendo medicos, familiares e amigos.
Não teve a mesma sorte Rafael Mascarenhas, mais jovem ainda, 18 anos, filho da atriz Cissa Guimarães e do músico Raul Mascarenhas, que andava de skate na pista interditada do túnel Zuzu Angel durante a madrugada e foi atropelado e morto por um carro turbinado que “botava um pega” com outro na contramão. Rafael foi atingido em cheio pelo carro assassino e não conseguiu sobreviver, apesar da saúde e da juventude.
O Rio acompanhou consternado a dor de Cissa, sua mãe, e Raul, o pai, amigos e familiares. Em seu velório, os jovens, perplexos, defrontavam-se talvez pela primeira vez com a fatal inimiga, a morte, que chegou antes da hora e de maneira cruel, criminosa, infeccionando a noite com sua violência camuflada em jogo mortal.
Impressiona-me neste fatal e terrível acidente o fato de que se amontoam circunstâncias erradas e desordenadas. O túnel teoricamente estava em manutenção. Mas de manutenção mesmo só havia os cavaletes e o aviso inócuo. Inócuo porque naquela noite, como provavelmente em várias outras, não houve trabalho de manutenção no túnel. Ou seja, toda a parafernália montada para fazer de conta que a prefeitura cuidava da cidade, como era seu dever, e mantinha o túnel em bom estado de conservação, era apenas uma camuflagem que o único efeito que teve foi permitir que os assassinos levassem a cabo sua brincadeira impune e letal.
Várias vezes, ao voltar para casa em Laranjeiras, onde moro, encontrei o Túnel Rebouças interditado teoricamente para serviços de manutenção. No dia seguinte, ao entrar nele novamente, sempre me impressionava a invisibilidade da dita manutenção, já que as pistas continuavam esburacadas, as poças da chuva também, fazendo os carros desviarem sua rota e perigosamente mudar de pista em alta velocidade. O mesmo acontece nos túneis Santa Bárbara, no de São Conrado e no Zuzu Angel. Que manutenção fictícia é essa então?
Mais errado ainda, se se pode ponderar e medir erros que resultam em morte, estavam certamente os dois garotos que na falta de coisa melhor que fazer desafiavam o perigo com seus carros turbinados fazendo perigosa “roleta” na pista do túnel. O resultado aí está: no meio do caminho havia uma pessoa, um jovem músico, que fazia seu esporte de skatista e cuja vida foi brutalmente interrompida pela velocidade irresponsável.
Rafael andava de skate de madrugada. Estava errado? Devo dizer que não me agrada o skate. Acho perigoso, os meninos andam sem capacete, se arriscam. Meu filho nunca se interessou muito pelo skate. Quando pronunciou a palavra moto em casa, imediatamente foi ajudado a comprar um carro de segunda mão em suaves prestações. Adiamos assim a angústia, o perigo, que sempre existe, até em atravessar a rua. Ou andar de skate em uma pista interditada, que a rigor deveria estar vazia.
Por mais imprudente que fosse o lazer de Rafael -que estava acompanhado de amigos- nada justifica o que aconteceu. Sendo filho de uma famosa atriz global, esperemos que ao menos seu caso sirva de alerta para todas as instâncias implicadas no acidente. Começando pela prefeitura, pela CET-Rio e todos os demais órgãos públicos encarregados de zelar pela segurança das ruas e que desempenham seu ofício de maneira no mínimo sofrível.
Talvez com a repercussão da morte de Rafael, a juventude carioca e todos os habitantes desta cidade e das outras capitais do país possam transitar um pouco mais seguros pelas ruas. Tomara! Mas …e o que acontece com Pedro e outros que continuam sofrendo as consequências de um acidente que segue encoberto pela impunidade criminosa? E outros, mais que Pedro, pior que ele, que sem condições econômicas para um tratamento morrem abandonados na rua depois de atropelados por falta de socorro ou nos corredores dos hospitais públicos, sem atendimento diligente e competente?
O rosto sorridente do jovem guitarrista e músico Rafael nos sirva de alerta sobre o que estamos fazendo com nossas cidades, que em vez de espaços urbanos para a vida estão rapidamente transformando-se em cemitérios e corredores da morte para tantos, sobretudo para jovens desavisados.