Os Dons da poesia

Roberto Malvezzi, Gogó

“O camelo que não passa pelo fundo da agulha,
Costuma entrar pelas portas das catedrais”.
(Casaldáliga)

É raríssimo um bispo poeta. Aliás, a linguagem poética é muito rara na história da Igreja. Predomina a racionalidade filosófica, teológica, discursiva, embora na Bíblia ela esteja tão presente. O prólogo do Evangelho de João é – ao menos para mim – o poema religioso mais belo que já se escreveu.

No papado, então, apenas João Paulo II tinha um viés poético. Fora ator na juventude. Deixou uma frase que é a senha para os cristãos dos tempos atuais: “é preciso rastrear as digitais de Deus impressas no Universo”. Pura poesia.

Comemoramos cem anos de Dom Helder, o poeta. Seus versos curtos, no estilo dos Hay Kay dos japoneses, são capazes de dizer em poucas palavras o que outros gastariam uma tese de quinhentas páginas para dizer. O outro poeta bispo, Casaldáliga, continua no meio de nós, capaz de fazer versos estonteantes como esse da epígrafe. Contei essa poesia no encontro das Pastorais Sociais do CELAM. A reação dos presentes, inclusive bispos, foi uma gargalhada despudorada.

“Para que contradizer a criança
Segura de ter nas mãos uma varinha de condão?
Que ela crê ser invisível ao dizer “abracadabra”?
Se ela crê nessa magia que é dizer “abracadabra”?
Mas, para que maior castigo
Do que não ter senso poético
Ou não ter imaginação”? (D. Helder)

Esses homens fizeram de suas vidas uma oração, de suas falas um verso de fina e simples poesia. Mas, a poesia só existe onde reina o olhar lúdico sobre a vida. Onde o amor é visível, a beleza admirada, a compaixão é vivida e até a morte é irmã, quanto mais o mal de Parkinson.

“Querer ficar na memória dos homens
É tão inútil quanto procurar
Nas ondas de hoje
Os sinais das ondas de ontem”. (D. Helder)

Mas, os Dons do amor e da poesia permanecem para sempre.