Para renovar o planeta
Marcelo Barros
Oficialmente, o 21 de setembro significa, no sul do mundo, o início da primavera, assim como no norte, o calor do verão se abranda e se entra no outono. Neste ano, são os povos indígenas que marcam para o inicio de outubro o que, nas culturas guarani e também quéchua, se chama de “minga” e que os brasileiros do Centro-oeste denominam de “mutirão” ou trabalho comunitário para salvar o planeta. Foi uma decisão tomada pelos índios e índias, representantes de diversos povos originários de todo o continente, no 9º Fórum Social Mundial em janeiro de 2009: realizar assembléias para articular estratégias de defesa do planeta, em vista da próxima Conferência Mundial sobre o Clima que se realizará em Copenhague, em dezembro deste ano.
A “Minga global por la Madre Tierra” que se realizará em Quito, se iniciará no 12 de outubro, dia que lembra a chegada de Colombo e suas caravelas ao Caribe, ao mesmo tempo que convoca a humanidade para possibilitar à terra uma nova primavera. Em sintonia com esta conferência, muitas outras ocorrerão por todo o continente. O projeto é propor formas das comunidades locais contribuírem para a defesa das florestas, assim como para a proteção dos rios e do ar. Os povos indígenas querem impedir que o Capitalismo continue destruindo a natureza, sob o pretexto de um progresso econômico que representa apenas lucro para uma elite minoritária de pessoas inconseqüentes.
No início da década de 60, o papa João XXIII propunha aos católicos uma oração que pedia a Deus uma nova primavera para a Igreja. Este rejuvenescimento eclesial começou a ocorrer com o Concílio ecumênico Vaticano II que, além dos bispos, reuniu representantes de outras confissões cristãs, para renovar a Igreja Católica e ajudá-la a se inserir no mundo moderno como irmã da humanidade e servidora da paz e da justiça. Este acontecimento que representou um forte início de renovação para a vida eclesial católica acabou repercutindo na teologia e na ação de muitas outras Igrejas cristãs que também viveram um bom processo de renovação interior e social.
No começo deste século XXI, uma nova primavera se anunciou não mais para as Igrejas e sim para toda a humanidade e para o planeta, através dos diversos fóruns sociais, internacionais e locais. Ao proclamar que “um novo mundo é possível”, pessoas originárias de todos os continentes e pertencentes às mais diferentes classes sociais e funções se comprometem em colaborar ativamente para que este caminho de renovação possa se abrir para as sociedades humanas, divididas por tantas injustiças e para a natureza, agredida e ameaçada de extinção.
Tanto as ações dos fóruns sociais, como do mutirão realizado pelas comunidades indígenas para salvar o planeta são atos proféticos porque se baseiam em ações comunitárias de base. Sabem que as iniciativas de governos e empresas para preservar o planeta são fundamentais, mas se estas não se inserem em um conjunto de cuidados cotidianos vividos por cada pessoa e comunidades locais, mesmo as melhores iniciativas públicas seriam como um edifício sem alicerce. Por isso, as comunidades indígenas comprometem a todos os seres humanos e não apenas a governantes, empresários e poderosos do mundo. Pedem que tratemos os animais e as plantas como seres vivos e dotados de sensibilidade e não apenas como mercadorias, propõem que nos relacionemos com respeito e compaixão para com cada ser da natureza, procurando nele contemplar uma companhia na comunidade da vida e não apenas um objeto a ser consumido.
Estas conferências e diálogos indígenas são atos proféticos ainda pelo fato de não se basearem apenas em princípios ideológicos e critérios técnicos, por mais importantes que estes sejam. São propostas que se inserem nas tradições espirituais da humanidade e propõem uma verdadeira espiritualidade ecológica que ultrapassa os limites de cada confissão religiosa e se abre a todos os caminhos espirituais e culturas. Um documento cristão do século II dizia: “Queres encontrar a Deus? Olha uma planta, ouve a voz de um animal, ou mesmo quando contemplas uma pedra, poderás descobrir que ali está presente o amor que te gerou”.