Páscoa à vista!
Reginaldo Veloso
Passadas as efervescentes brincadeiras do Carnaval,
nossos olhos se voltam para o Oriente,
porque daqui a uns 40 dias,
vai renascer o Sol da Justiça.
É a festa das festas que vem aí:
a Festa da PÁSCOA!
A palavra “páscoa”,
de origem hebraica,
é irmã da portuguesa “passagem”.
E páscoa quer dizer “a passagem de Deus”!
Sim, porque Deus passa, está passando na história da Humanidade,
na vida da gente…
Mas a gente não se dá conta.
Foi preciso, então, que Deus passasse de maneira espetacular, escandalosa até,
para que, pelo menos uma porção de gente se tocasse.
E foi assim:
JESUS DE NAZARÉ, um carpinteiro,
que, mais de 2000 anos atrás, nascera de um casal pobre
e vivera num lugarejo do interior da Palestina,
ao 30 anos de idade,
começou a anunciar o Reino de Deus!
Para pertencer a este Reino,
as pessoas precisavam mudar de vida:
– Quem tinha conhecimentos devia partilhar com os desinformados…
– Quem tinha dinheiro, deveria repartir com os necessitados…
– Quem tinha poder, devia colocar-se a serviço dos excluídos…
Era como se o mundo tivesse que virar de cabeça para baixo!
Uma revolução, sim, mas que deveria começar no coração de cada um, de cada uma.
Para os pobres, era uma BOA NOTÍCIA,
aquilo que eles mais gostariam de ver acontecer.
E é isso que quer dizer “evangelho”,
palavra grega, sinônimo de “boa nova”, boa novidade.
Mas para os ricos era subversão, perturbação da ordem,
ou, como muita gente hoje em dia ainda diz,
isso era “comunismo”!
Até os pobres, iludidos pela conversa mole dos ricos e poderosos,
foram na onda deles e ficaram contra Jesus.
Só sei que, por conta dessa história,
Jesus terminou preso, foi condenado e morreu crucificado entre dois marginais.
Mas, quando os poderosos menos imaginavam,
os poucos seguidores de Jesus de Nazaré foram perdendo o medo
e fizeram o maior reboliço na cidade:
saíram anunciando que Deus havia ressuscitado seu Mestre!
Jesus vivia, isto é, Deus deu razão a ele!
Ele morreu pela causa de povo, sobretudo dos pobres,
seu sangue foi derramado para que uma nova Humanidade começasse a se organizar,
os entendidos se colocassem a serviço dos sem instrução,
os ricos se colocassem a serviço dos empobrecidos,
os poderosos se colocassem a serviço do povo,
e todos se juntassem numa grande irmandade,
uma família de irmãos e irmãs, simples como as crianças.
E como a causa pela qual Jesus morrera
era justamente a causa de Deus, o que Deus mais queria que acontecesse,
por esse motivo, Deus passou no túmulo onde Jesus foi sepultado,
e o arrancou do poder da morte.
Deus aprovou a vida e a mensagem de Jesus!
Portanto, pregavam seus discípulos,
está na hora de aceitar sua mensagem libertadora,
de fazer parte do Reino por ele anunciado…
Chegou o momento de cada um, de cada uma, deixar Deus passar na sua vida.
PÁSCOA é isso: Deus passando na história de Jesus de Nazaré,
e o reconhecendo como seu Filho!
Deus querendo passar na vida de cada um da gente,
na medida em que a gente entrar na jogada de Jesus,
e se tornar assim um filho, uma filha de Deus.
Só sei que, quem ia acreditando em Jesus, através da mensagem dos discípulos,
tomava um banho, para mostrar que estava começando uma vida nova,
limpa de todas as maldades e sujeiras.
E esse banho passou a chamar-se de Batismo.
Os discípulos (seguidores), agora chamados “apóstolos”, que quer dizer “enviados”,
colocavam as mãos sobre a cabeça dos que se “batizavam”
e eles e elas recebiam um nova energia, um espírito novo,
que chamavam de ESPÍRITO SANTO!
Na força dessa nova energia,
é que o pessoal continuava se reunindo,
escutando a mensagem dos Apóstolos sobre Jesus,
repartir, entre todos, os seus bens,
de tal forma que ninguém passava necessidade entre eles e elas.
E esse ajuntamento de gente, convocada pela Palavra de Deus,
chamou-se de IGREJA.
O que mais chamava a atenção do povo era a alegria
com que eles comiam a Ceia do Pão e do Vinho, em memória de Jesus:
era o jeito de eles se sentirem em comunhão de vida com o seu Mestre.
Era como se o corpo de Jesus passasse a se manifestar na carne deles e delas…
Era como se o sangue de Jesus passasse a correr nas veias deles e delas…
Era Jesus que passava a viver neles e nelas…
Era o Reino de deus que começava a acontecer “assim na terra como no céu!”
E essa Igreja era, assim, o ensaio, a amostra de um MUNDO NOVO!
É por causa dessa historia, que os cristãos e cristãs de todos os tempos,
todo ano, a certa altura do mês de abril,
celebram a Festa da Páscoa.
Valeria a pena a gente pensar numa “Festa da Páscoa”
entre nós aqui?
Que sentido teria?
Apenas recordar o que aconteceu há mais de 200 anos atrás?
Será que a Páscoa, de alguma maneira,
estará acontecendo na vida da gente, hoje, aqui e agora,
e, por isso, vale a pena celebrá-la?
Talvez seja questão de ter olhos de ver
olhos capazes de enxergar Deus passando na vida de cada um, de cada uma da gente…
na vida do povo
– Quando alguém de nós sai da solidão, do isolamento, e tem oportunidade de se encontrar com outras pessoas, de conversar suas coisas, de sentir-se escutado(a), levado(a) em conta… de poder descobrir seus valores e suas potencialidades… começar a gostar de si mesmo(a), a gostar da vida, a levantar a cabeça, a encantar-se com o que é belo, a querer o que é bom, a sonhar com um mundo diferente, de amor, alegria e felicidade… não é como se nascesse de novo?…
– Quando a gente tem oportunidade de partilhar idéias, sugestões e iniciativas entre a gente… de brincar e jogar juntos… de aprender coisas juntos… de cantar, tocar e dançar juntos… de praticar algum tipo de arte ou desporte… de organizar passeios e festas… superando, aos poucos, o individualismo ou a desesperança… dando uma finalidade construtiva à própria agressividade… canalizando suas energias para o que nos dignifica como seres humanos e nos faz felizes… desenvolvendo um novo jeito de conviver, crescendo em amizade e companheirismo… não é uma nova convivência que está desabrochando?…
– Quando a gente tem oportunidade de conhecer a historia e as tradições do povo da gente, as riquezas e belezas do folclore, as coisas bonitas que o povo do bairro faz, o jeito característico do povo desta cidade viver e festejar… e vai trocando as coisas que vêm de fora pelas coisas nossas… e vai começando a gostar da nossa música de raiz… e vai passando a preferir um suco das nossas frutas à coca-cola, uma comida tradicional da gente a uma Mac-burger qualquer… e por aí vai crescendo no amor a esta cidade, a começar pelo seu bairro… Não é isso identidade perdida que está se resgatando?…
– Quando a gente tem oportunidade de encarar o seu ambiente de vida, com novas informações e inquietações sobre higiene, limpeza pública, reciclagem de lixo, importância do verde, da mata, do mangue, da água, do ar, do silencio, da preservação ambiental… e começa a tomar cuidados e iniciativas em casa, na escola ou quando vai pela rua… e começa a preocupar-se com arborização e jardinagem… com reciclagem de plástico e papel, com coleta seletiva… com a limpeza das canaletas e canais… com o volume de som das radiolas e televisões… com tudo quanto incomoda e prejudica o ambiente em que se vive… e passa a ser multiplicador(a) de uma nova mentalidade a respeito dessas coisas no dia-a-dia das pessoas… Não é isso um mundo diferente que está surgindo?…
– Quando a gente tem oportunidade de perceber que a cidade é feita por todos os que nela habitam… que ser cidadão, cidadã, é querer bem a seu pedaço e se responsabilizar por ele, para que seja o melhor lugar do mundo, a cidade mais bonita e feliz… onde todos, de mãos dadas, vivem num mutirão sem fim, cuidando de tudo, para que tudo dê certo, para o bem de todos… onde o prazer maior é poder, no fim de semana, festejar com canto e dança a fraternidade cidadã exercida ao longo de toda a semana… Não é isso um mundo novo que está despontando?
Para quem tem olhos de ver,
é por aí, quem sabe, que Deus está passando,
nos arrancando da morte para a Vida…
é por aí que o Sangue de Jesus está circulando
e o Espírito de Deus está soprando
e tudo vai se transformando nos indivíduos e na sociedade,
e a Páscoa vai acontecendo
e o mundo se salvando
Se for assim,
se assim estiver sendo,
será que não vale a pena celebrar a Páscoa,
a passagem de Deus em nossas vidas,
na vida da gente e do povo?…
E agora José, e agora Maria,
como vamos fazer para que nossos Grupos, Movimentos, Organizações e Comunidades
cheguem à gostosa descoberta deste “Mistério” maravilhoso
que se esconde em suas vidas,
mas que precisa se manifestar aos olhos deles e delas, aos de todos?…
Como fazer para que esta descoberta
se torne motivo de festa
e desencadeie toda uma criatividade,
no sentido de todos se darem as mãos
na preparação de um evento capaz de fazer brilhar
esta vida nova, este mundo novo,
que está acontecendo no dia-a-dia da gente e do povo,
como Festa da Vida
como um grande louvor ao Deus da Vida
que assim como passou na história de Jesus,
está passando nas historias bonitas da gente, hoje, aqui e agora?…
A Páscoa está à vista!
Como vamos fazer?
Feliz Páscoa!
RINALDA
mar 16, 2009 @ 18:47:32
“… Para quem tem olhos de ver, é por aí, quem sabe, que Deus está passando, nos arracando da morte para a Vida….” Esse belíssimo texto me fez refletir sobre a cena que presenciei nesse último fim de semana. Foi assim. Estava eu chegando no ponto de ônibus da Rua Padre Adelino, próximo ao Largo Ubirajara e do Centro Comunitário São Martinho, e lá encontrei dois moradores de rua sentados no banco do ponto de ônibus.Um deles gritava muito e demonstrava sua revolta e indignação contra o nosso ilustríssimo prefeito. Ele dizia “Kassab você roubou meu dinheiro, devolve “meu” quinhentos reais, você quer matar os pobres, mas você é o diabo e eu sou filho de Deus e..(falava palavrões, repetia a frase e acrescentava que era filho de Deus). Ele estava muito embriagado e mal conseguia ficar de pé. O companheiro dele me impressionou bastante. Tentava acalmar o outro e falava para o companheiro que também ele não gostava do Kassab, mas que não podia se comportar daquela forma, gritando e falando palavrões. Primeiro, porque isso não era um comportamernto de um filho de Deus, desrespeitando as senhoras que estavam no ponto (no caso eu e mais uma senhora); segundo, porque ele não podia se comportar como um mendigo burro, porque não era daquele jeito que iria mudar a vida dele. E virou-se para mim dizendo: ” Desculpa senhora, é que o meu amigo já tá ficando meio doido. Sabe, ele é uma boa pessoa, mas a cachaça tá acabando com ele; eu também bebi mas não fico assim incomodando as pessoas”. Enquanto os dois mendigos travavam essa batalha verbal (um gritando e xingando e o amigo o repreendendo e recebendo como resposta mais xingamento e insultos) dois homens adultos, que também estavam no ponto, se contorciam de tanto dar risada. Agora, depois de ler esse belíssimo texto, fico pensando e refletindo, e faço a seguinte pergunta: Na vida de qual dessas pessoas será que Deus deseja primeiro passar para salvar? dos mendigos (alcoólatras-doentes) ou dos outros homens (os ditos sãos)?
julio
mar 16, 2009 @ 21:45:16
O comentario da Rinalda é uma reflexão teológica pastoral que emociona e merece ser lida por todos . Agradeço a DEUS poder conviver com uma pessoa que reflete e expressa a sua fé de maneira tão clara e edificante .