Páscoa e Vida Nova
Manfredo Araújo de Oliveira *
As comunidades cristãs das diferentes confissões celebram neste dia o cerne de sua fé: a ressurreição de Jesus, a vitória definitiva da vida sobre a morte. Esta festa os leva a penetrar com outros olhos e mais profundamente no mistério da existência humana com tudo o que ele implica. Assim, a condição indispensável para entender o sentido da festa da Páscoa e suas consequências para o ser humano é descer ao mais profundo da existência humana e perceber que há aí forças presentes que parecem tragar tudo a que se pode aspirar como bom na vida humana, algo que perpassa todos os projetos humanos e é capaz destruir relações humanas e a ligação do ser humano com a terra. O que celebramos é que na ressurreição estas forças foram em princípio vencidas.
É precisamente na força de sua fé na ressurreição que os cristãos se tornam capazes de compreender que “as condições de vida de milhões de abandonados, excluídos e ignorados em sua miséria e dor, contradizem o projeto de Deus e desafiam os cristãos a um compromisso ainda mais efetivo em prol da vida” (Diretrizes Gerais 2008-2010, CNBB). Esta é a razão que os leva a entender que nos pobres e excluídos a dignidade humana é profanada e a perceber que é uma exigência de sua fé a defesa de seus direitos negados. Isto se traduz em opção pelos pobres que como disse Bento XVI em Aparecida já “está implícita na fé cristológica, naquele Deus que se fez pobre por nós, para nos enriquecer com sua pobreza”.
A decorrência de tudo isto é uma nova presença dos cristãos no mundo, não no sentido de impor aos outros sua concepção de vida, mas antes de cooperar com todos aqueles que conscientes da dignidade fundamental do ser humano lutam para transformar nosso mundo numa casa verdadeira para a humanidade. Por isto se chocam logo com uma situação desafiante: diante desta situação dolorosa da miséria humana e de degradação da natureza muito frequentemente as medidas tomadas pelos governos esbarram em problemas estruturais e quase sempre apenas contornam as situações conflitivas. Aqui a posição dos cristãos que acreditam na vitória da vida não pode ser outra: assumir com garra a missão crítica e profética de denúncia da injustiça e de promoção da solidariedade e das legítimas aspirações dos seres humanos.
No mundo de hoje isto se concretiza enquanto exigência de passar de uma política centrada nos interesses do capital financeiro para uma política centrada nos interesses da sociedade, de modo especial daqueles que nela se encontram na pior situação que por isto possuem privilégio ético. Isto implica uma revisão profunda da forma de configurar a vida coletiva, porque exige reverter a opção básica pelo capital financeiro que hoje é o protagonista de todo o processo econômico. Esta guinada exige naturalmente também repensar o papel fundamental do Estado na configuração de nossa vida social. Aqui é de fundamental importância compreender que o debate hoje se concentra entre uma concepção de Estado em função de um sistema produtivista-consumista que está ameaçando a humanidade e destruindo a terra e um Estado orientado para o equilíbrio ecológico, a justiça social e a paz mundial.
É esta compreensão que levou os bispos do Brasil num documento recente (Por uma Reforma do Estado com Participação Democrática, CNBB 2010) à formulação das seguintes exigências básicas. “Cabe às instituições públicas do Estado, submetidas ao controle social permanente: regular o mercado e zelar pela qualidade de vida de todas as pessoas. A realização dos direitos da população está acima dos interesses dos mercados financeiros nacional e internacional; priorizar a economia solidária e a geração de renda por meio das iniciativas diretas da população e dos incentivos públicos; promover uma auditoria das dívidas públicas (externa e interna), cumprindo o mandato constitucional (cf. Ato das Disposições Transitórias, art. 26)”. O escândalo da exclusão e da violência nos interpela à construção de um mundo novo.
* Doutor em Filosofia e professor da UFC. Presidente da Adital