Páscoa: manifestação de Deus e futuro da humanidade
Maria Clara Lucchetti Bingemer
A experiência cristã primitiva e seu anúncio primeiro era que Jesus havia ressuscitado dentre os mortos. Juntamente com isto, proclamava que esse que morrera e ressuscitara era o Messias e o Cristo de Deus. Por isto o Reino havia chegado e a nova era havia despontado. Esse Jesus que havia liderado a vinda do Reino era reconhecido desde muito cedo na história do Cristianismo como Messias. O antigo fariseu Paulo, trinta anos após a morte de Jesus, referia-se a ele como Cristo, o que mostra quão firmemente dentro da mais antiga tradição a idéia do caráter messiânico de Jesus havia sido sustentada. E a explicação para isto não poderia ser sustentada somente devido a sua ressurreição dentre os mortos. A vida de Jesus era lida de forma inseparável com sua morte e ressurreição. Esta última era a confirmação da identidade messiânica daquele que vivera e morrera.
Havia certamente muitas variações na crença messiânica judaica deste período. Nenhuma delas imaginava um Messias que morreria pelas mãos dos pagãos. Contudo, em nenhum outro caso, de um século antes de Jesus até um século depois dele, ouvimos falar de algum grupo judaico dizendo que seu líder executado pelos pagãos havia ressuscitado dentre os mortos. Por isso, uma vez que Jesus de Nazaré foi certamente crucificado como um rebelde é extremamente surpreendente que os primeiros cristãos não apenas insistissem em que ele era realmente o Messias, mas reordenassem sua visão de mundo, sua práxis, suas histórias, símbolos e teologia em torno desta crença.
Por que então o Cristianismo começou e, mais que isso, continuou, como um movimento messiânico, quando seu Messias tão claramente não apenas deixou de fazer aquilo que se esperava que um Messias fizesse mas sofreu um destino que deveria mostrar de forma conclusiva que ele não poderia ter sido o ungido de Israel? Por que este grupo de judeus do primeiro século, que tinham acalentado esperanças messiânicas e as havia centralizado em Jesus de Nazaré, não apenas continuou a crer que ele era o Messias apesar de sua execução, mas ativamente o anunciou como tal tanto ao mundo pagão como ao mundo judaico? Por que o fez alegremente redesenhando o quadro do messianismo em torno dele, ao mesmo tempo em que se recusava a abandoná-lo?
A resposta que deram era que Jesus, após sua execução sob a acusação de ser um pretenso Messias, havia ressuscitado dentre os mortos. A ressurreição foi desde cedo, portanto, a força motora central do Cristianismo, dando forma ao movimento inteiro. Era a confirmação do atípico messianismo de Jesus. Em especial, podemos ver entretecida na teologia cristã mais antiga que temos – a de Paulo – a crença firme de que a ressurreição tinha realmente acontecido e que os seguidores de Jesus deviam reordenar suas vidas, suas narrativas, seus símbolos, e sua práxis de acordo com ela (Cf o que diz Rom. 6:3-11; e tb. 1 Cor 15).
Diante do absoluto fracasso que representou a morte de Jesus, a única explicação para o comportamento de seus seguidores, suas histórias, seus símbolos e sua teologia é que eles realmente acreditavam que Jesus havia ressuscitado dentre os mortos. De fato, a crucifixão de Jesus era símbolo de esperança não apenas derrotada, mas esmagada e dizimada.
O fato teologal da ressurreição expressa a experiência dos discípulos com aquele que viram morto e agora se manifestava vivo em seu meio. Assim, eles buscavam transmitir que a crucifixão de Jesus não era uma trágica derrota, mas um ato divino de salvação. Nela, os primeiros cristãos afirmam que o eschaton, o esperado Reino de Deus, havia chegado; o Rabbi de Nazaré crucificado era o Messias; ele havia ressuscitado dentre os mortos e “a ressurreição dos mortos” havia já e finalmente ocorrido.
A afirmação cristã primitiva universal é que Jesus atravessara a morte não apenas em algum estado intermediário ou existência desprovida de corporeidade, mas que sua pessoa havia sido transformada de uma maneira para a qual eles, seus seguidores, estavam despreparados, mas que pela aparição e o testemunho, aceitaram e acolheram. Acreditavam que com isso seu anúncio do Reino tinha atingido o clímax, o cumprimento, em sua morte e ressurreição.
A ressurreição de Jesus constitui, pois, artigo fundamental da fé cristã, a ponto de São Paulo poder dizer: “Se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa pregação; vazia também é a vossa fé… Se Cristo não ressuscitou, vazia é a vossa fé; ainda estais nos vossos pecados” (1Cor 15, 14.17). Nos escritos do Novo Testamento e nos da primeira Tradição cristã é tal a ênfase na ressurreição de Jesus que ela ocupa lugar primordial e indispensável no conjunto das verdades da fé.
E a afirmação incontestável da Ressurreição por parte do Novo Testamento não quer significar a reanimação de um cadáver, mas a manifestação plena e gloriosa daquele que foi visto vivo e depois morto e agora se apresenta com a plenitude de sua pessoa animada pelo Espírito da vida e sobre quem a morte já não tem poder.
A ressurreição é o selo de autenticação da vida de Jesus e de sua morte.
Jesus, como homem, morreu após haver pregado a boa notícia da chegada do Reino de Deus. Deus seu Pai o ressuscitou testemunhando, por este sinal de sua onipotência, da autenticidade da pregação de Jesus. Não sem razão as fórmulas de fé mais antigas apresentam o Pai como autor da ressurreição de Jesus: “Deus ressuscitou esse Jesus, e disto nós todos somos testemunhas” (At 2, 32), diz Pedro no relato de Pentecostes. A propósito escreve João Paulo II na encíclica “Dives in Misericórdia”: “A cruz não é a última palavra do Deus da aliança: essa palavra será pronunciada na alvorada quando as mulheres, em primeiro lugar, e os discípulos, depois, indo ao sepulcro do Crucificado, verão o túmulo vazio e proclamarão pela primeira vez: ‘Ressuscitou!’“
Por isso hoje ao celebrarmos a ressurreição do Crucificado, estamos proclamando também a nossa. Todos nós estamos destinados à vida e não à morte. Estamos ressuscitados com Cristo e só nele está nossa plenitude de vida. Nossa esperança está fundada na fé no Filho de Deus, que nos amou, se entregou por nós e foi ressuscitado pelo Pai ao terceiro dia. Aleluia!