Páscoa: sintonia e coerência
D. Demétrio Valentini
A celebração da Páscoa tem ressonâncias muito antigas. A própria data é indicada pelo calendário lunar dos judeus, que determinava a Páscoa para o primeiro sábado após a lua cheia do mês de “nisan”, que corresponde, aproximadamente, ao nosso mês de abril. No caso deste ano, a lua cheia caindo no domingo dia 17, a páscoa fica para o sábado dia 23.
A Campanha da Fraternidade sobre a vida no planeta evoca o contexto que deu origem à celebração pascal. Os primeiros ritos pascais eram ligados à celebração da vitória da vida sobre a morte, expressa pela exuberância da primavera, em que a vida retoma vigor, após os rigores do inverno que parecem sufocá-la.
A páscoa recebeu depois uma conotação histórica bem definida, com a saída do povo hebreu do Egito. Ela foi claramente marcada pelo contexto pascal. A partir daí, o povo hebreu assumiu a páscoa como expressão de sua identidade, e como recordação de sua passagem da escravidão para a liberdade.
Como sabemos, neste contexto histórico Jesus inseriu a celebração de sua memória, integrando ao mesmo o rito antigo da festa judaica no novo significado que a páscoa passava a ter, a partir de sua morte e ressurreição.
Cabe aos cristãos recolherem este significado profundo, que é inesgotável na sua potencialidade de inserir no mistério pascal de Cristo todas as dimensões da vida humana.
Mas o contexto da Campanha da Fraternidade deste ano nos sugere a integração fecunda que é possível fazer, das três dimensões da páscoa. A começar pela dimensão cósmica, que foi acentuada pelas reflexões feitas em torno da vida em nosso planeta.
Somos chamados a cultivar uma espiritualidade que poderíamos chamar de ecológica, captando as mensagens que o universo nos transmite, com sua maravilhosa harmonia.
De fato, a Campanha nos ajudou a perceber a estreita ligação de nossa vida humana com a natureza. Ela não se limita a garantir o ambiente favorável à nossa existência. Somos parte da natureza. Em decorrência disto, podemos identificar nossa situação privilegiada, que nos permite situar-nos com perspectivas transcendentes à natureza, e assumir conscientemente nossa condição humana.
O gesto de Cristo, de moldurar seu testamento no contexto da celebração histórica da páscoa judaica, nos dá um profundo ensinamento, de quanto é importante colocar-nos na dinâmica da história humana, se queremos inserir-nos dentro dela, e fazer parte da trajetória verdadeira da epopéia humana.
Assim fica claro o recado da páscoa deste ano. Ela nos convida a sermos pessoas integradas, seja no contexto da natureza, como na trama da história, e também na coerência da fé que abraçamos.
As três dimensões são indispensáveis, e se fortalecem mutuamente. Cabe a cada pessoa escolher as motivações que melhor podem acionar a integração das diferentes dimensões.
Mas é inegável que a figura de Cristo serve de exemplo perfeito de integração vital. Mais que ninguém, sabia captar os encantos da natureza, de onde tirava suas belas parábolas. Ele conhecia profundamente a história do seu povo, e sabia expressar o significado dos seus episódios. E sobretudo, soube dar um significado novo aos ritos antigos, colocando neles os símbolos da entrega de sua vida por amor a toda a humanidade.
A páscoa é um convite para a integração de nossa vida no grande concerto do universo, na caminhada da história humana, e no testamento sempre renovado do mistério de Cristo.