Paulo, os carismas e a comunidade
Maria Clara Lucchetti Bingemer *
Enquanto o ano paulino segue seu curso, podemos continuar aprendendo com esse grande homem que foi Paulo de Tarso. Apaixonado e seduzido por Jesus Cristo, que veio ao seu encontro luminosamente no caminho de Damasco, Paulo não deixava, no entanto, de ser extremamente realista.
Tinha especial amor pelas comunidades que fundava em nome do Senhor Jesus e sob o impulso de seu Espírito Santo, e a elas dedicava o melhor de suas energias e forças. Porém, essas comunidades nem sempre deixavam de dar-lhe muito trabalho e preocupação. É ele mesmo quem diz, dirigindo-se a uma delas, que ama seus membros como filhinhos e por eles sofre as dores do parto.
Talvez a comunidade à qual Paulo deu mais importância tenha sido a de Corinto. A ela escreveu duas de suas mais lindas cartas. A primeira, sobretudo, escrita em um momento delicado para a vida da comunidade e para o ministério apostólico de Paulo também. A comunidade de Corinto era muito agraciada com dons especiais e muitos de seus membros recebiam graças sensíveis, falavam em línguas, tinham êxtases, enfim, viviam alguns dos muitos fenômenos extraordinários que ao longo da história do Cristianismo caracterizaram a experiência dos místicos.
Porém, aqueles que eram agraciados com tais carismas, sobretudo o de falar em línguas, não estavam administrando as graças recebidas como deveriam, na opinião de Paulo. Achavam-se melhores que os outros, faziam todas as reuniões e assembléias comunitárias girarem em torno de suas pessoas, necessitavam de um intérprete especial para “traduzir” para o resto da comunidade aquilo que falavam quando inspirados pelo Espírito.
Paulo, no capítulo 11 da primeira carta aos Coríntios, trata desse assunto com seus irmãos mais novos. E o faz sem medir palavras. Deixa-os saber claramente que o que mais importa não são os dons individuais de cada um, mas o crescimento da comunidade como um todo. Portanto, o discernimento dos espíritos e dos carismas que são dados a membros da comunidade devem ser realizados com o critério inarredável do benefício que a mesma comunidade recebe com eles.
Falar em línguas não parece ser para Paulo algo de primeira importância na vida da comunidade de Corinto. Pois se causa divisão e contendas entre os cristãos, significa que o Espírito de Deus não está agindo ali. Ou ao menos que o mau espírito está infiltrado na ação do Espírito Santo. E Paulo é claro: é melhor falar cinco palavras simples, que todo mundo entenda e pelas quais a comunidade seja edificada do que falar cinco mil que ninguém entende e só causam confusão e divisão.
Ao dizer isso, Paulo deixa claro a seus amados irmãos que não fala isso por ciúme de um dom que ele talvez não tenha recebido. Enumera todas as abundantes graças místicas que recebeu do Senhor para mostrar que isso não é o que importa.
O que importará então? Se algo tão espiritual como a glossolalia – nome técnico do falar em línguas – não é o mais importante, o que será realmente fundamental na vida cristã? Paulo responde nesse capítulo e também nos outros dois que vão se seguir. O mais importante é o amor, a caridade, que faz a comunidade estar unida e buscar apenas a glória de Deus e não a sua própria. O amor, a caridade que faz cada um esquecer-se de si mesmo em benefício dos outros. A comunidade importa muito mais do que eu e minha sensibilidade espiritual. O que importa, portanto, é que ela esteja atendida e possa crescer.
No capítulo 12, Paulo continuará falando da importância de os cristãos formarem um só corpo. Assim, os dons dados a um são dados em benefício de todos. E no capítulo 13 termina sua exortação à comunidade de Corinto entoando o maravilhoso hino à caridade. De que serviriam todos os dons extraordinários se falta o amor?
Com Paulo aprendamos, pois, em nossas assembléias e comunidades a valorizar antes a caridade, antes o amor que qualquer outra coisa. Só assim teremos a garantia de que Deus está entre nós. Ele é amor, este é um ingrediente que não pode jamais faltar em nossa vida cristã.
* Teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio