Pe. Gunther Zgubic: ‘Queremos um outro modelo de segurança pública’

IHU – Unisinos *

Por Márcia Junges

“A mudança do modelo de Segurança Pública e melhora da segurança humana são possíveis, desde que as políticas públicas e as comunidades se empenhem juntos nesta direção”, reflete o Padre Gunther Zgubic, na entrevista que concedeu, por telefone, a IHU On-Line. Segundo ele, vivemos um momento histórico quanto às decisões sobre as políticas e o modelo de segurança pública do Brasil. “É a primeira vez, em 200 anos, que a sociedade tem a possibilidade de, democraticamente, discutir e deliberar sobre seu futuro modelo de segurança pública, e assim sobre o seu modelo de polícia”.

Pe. Gunther Zgubic é austríaco radicado no Brasil e responsável pela Pastoral Carcerária, (www.carceraria.org.br), vinculada à Conferência Nacional dos Bispos no Brasil (CNBB). Acompanha a realidade dos presídios brasileiros há 20 anos e participa ativamente da Campanha da Fraternidade de 2009, cujo tema é Fraternidade e Segurança Pública, idealizada pela Pastoral Carcerária e assumida pela CNBB.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são os principais problemas sociais que contribuem para o inchaço das cadeias?

Gunther Zgubic – Há problemas concretos que, na verdade, refletem um problema de fundo, isto é, o conceito tradicional de segurança pública é puramente repressivo e não inclui as políticas sociais, econômicas e culturais e os direitos humanos em geral. Enquanto não forem resolvidos os problemas básicos, haverá sempre ataques contra a ordem. Os novos conceitos no Brasil, felizmente, acolheram as propostas internacionais promovidas pela ONU e por especialistas, para que consigamos uma solução melhor de segurança pública, com uma diminuição da violência. Esses especialistas vêm de países que conseguiram avançar na diminuição da violência e, então, temos uma referência básica: o relacionamento das políticas de segurança pública com as demais políticas de demandas básicas da população, que são os direitos humanos, em todos os sentidos, à alimentação, trabalho, moradia, escola e saúde. Todos esses direitos básicos têm um viés de segurança pública também. Ou seja, onde não tem trabalho, haverá mais assaltos. Onde não há atendimento de saúde, terá mais dependência de drogas e aumentarão os assaltos. Onde não há escolas, haverá mais desemprego e juventude nas ruas, narcotráfico e violência. A questão do direito da família, de políticas voltadas a ela para atender seus direitos básicos, é, igualmente, fundamental, sem falar do problema básico maior: a construção de uma sociedade com uma economia cujo maior valor é o lucro, a exploração e o consumismo individualistas à custa do ser solidário e de uma cultura de comunhão confiável.

Precisamos entender que a política de segurança pública deve ser parte integrante de políticas públicas de segurança humana em geral. Trata-se da garantia dos direitos que asseguram a vida: segurança alimentar, de emprego, educação, moradia, saúde. A ONU chama isso de segurança humana, de modo que a vida de cada pessoa seja protegida e tenha suas demandas básicas atendidas. Pois, conforme a Declaração Universal da ONU, de 1948, “todos os direitos humanos constituem um complexo integral, único e indivisível, em que os diferentes direitos estão necessariamente inter-relacionados e interdependentes entre si”. E a Constituição Federal de 1988 é fundamentada nestes princípios, direitos e garantias fundamentais.

IHU On-Line – O Brasil tem, efetivamente, políticas públicas de segurança ou políticas de segurança pública?

Gunther Zgubic – Até agora, não. No entanto, começou um processo de mudança muito interessante. Estamos, de alguns anos para cá, numa fase de transição para um novo paradigma de segurança pública. Precisamos destacar a iniciativa de políticas públicas inovadoras, porém não consolidadas. Estas iniciativas partem do Plano Nacional de Segurança Pública (SUSP) de 2003, e tentam se concretizar pela construção do Sistema Único de Segurança Pública e do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), bem como por meio da realização da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública do Brasil (I Conseg).

O Pronasci é composto por 94 ações que tentam colaborar com a criação de áreas de segurança e de vida. A partir de um mapeamento das áreas mais violentas da cidade, a proposta é investir pesadamente em todo o tipo de políticas sociais e ações culturais, de lazer, trabalho e saúde de forma interligada, apoiada por uma polícia muito mais comunitária do que repressiva. O objetivo é que o tema de segurança se torne transversal entre todas as políticas. Contudo, a polícia precisa ser treinada para esse tipo de iniciativa. A ideia é uma polícia que seja promotora dos direitos humanos de todos e comunitária, para que a comunidade seja sua parceira. Por isso, precisamos implantar os conselhos comunitários autônomos, o que considero algo básico. As comunidades se empenhando, interligadas entre si, incluindo bairros e cidades, com políticas públicas concretas, são a solução para esse assunto.

IHU-On-Line – O Estado e as comunidades precisam se encontrar para um projeto em conjunto?

Gunther Zgubic – Sim. A comunidade, sozinha, não consegue vencer a questão da violência. E o Estado, sozinho, tampouco consegue. Isso porque, da forma como as políticas públicas são aplicadas hoje, são uma coisa “fria”, que vêm de fora, e não expressam a participação da comunidade. A verdade é que a comunidade deve se identificar com essas políticas, e ser parceira na elaboração de um Contrato Local de Segurança. Para isso, é fundamental o conselho comunitário de segurança. Temos diversos tipos de conselhos institucionais, em que os núcleos ou fóruns comunitários de segurança pública precisariam se fazer presentes: os conselhos de segurança pública por distrito policial, e os conselhos municipais de segurança pública. Estes precisariam ser criados em todos os municípios, além de serem paritários e deliberativos. Igualmente, é importante a realização de audiências públicas sobre esse tema nos bairros. Antes de tudo, precisamos conquistar um plano municipal, bem como estadual e nacional, de um novo modelo de segurança pública, que interligue todas as políticas públicas de segurança humana e dos serviços de segurança pública num Sistema Único de Segurança Pública. De forma inicial, já estão implantados em todas as três esferas de estado e em diversos municípios elementos desta nova filosofia de segurança pública. Em Porto Alegre, existe um modelo inovador, assim como em Diadema, na Grande São Paulo, que era o município mais violento do Brasil. A partir do conceito e da prática das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Jardim Ângela e Diadema conseguiram construir um forte empenho comunitário e político. As políticas públicas locais em si, com influência sobre as políticas públicas de segurança e segurança pública do estado de São Paulo, tornaram-se uma referência nacional, provando que, em poucos anos, pode se diminuir a violência em 70%. Segundo a ONU, Jardim Ângela era o bairro urbano mais violento do mundo. Hoje, a situação é bem diferente. Então, a resposta à pergunta é: a mudança do modelo de Segurança Pública e melhora da segurança humana são possíveis, desde que as políticas públicas e as comunidades se empenhem juntos nesta direção.

IHU On-Line – A Campanha da Fraternidade e a I Conferência Nacional de Segurança Pública visam a isto?

Gunther Zgubic – Um resultado da Campanha da Fraternidade 2009, cujo tema é “Segurança Pública”, deveria ser um compromisso permanente com a questão da segurança pública e as políticas públicas de segurança. Isto inclui:

1. Tentar criar um grupo gestor de trabalho (GT) (eclesial de pastoral orgânica de conjunto – que integra um representante de cada pastoral social, bem como da Pastoral da Juventude, do laicato, Pastoral Familiar, das CEBs e do conselho paroquial) que tente aglutinar outras forças comunitárias do bairro/região quanto ao tema Segurança Pública, Justiça e Cidadania. Este GT pode tentar criar um Fórum de Segurança Pública, Justiça e Cidadania, grupo de trabalho ou fórum permanente para mapear a violência em cada unidade comunitária e geográfica, bem como as forças positivas para a vida comunitária. Cada nível – comunidade, paróquia, setor, diocese -, ou bairro, município, deveria tentar ter um grupo gestor permanente, comunitário e autônomo perante o Estado, com intuito de cooperar estrategicamente para redução da violência e construção de uma segurança positiva:

•Dentro do âmbito da própria Igreja: um projeto de pastoral orgânica e de conjunto em relação à segurança pública local (diocese – paróquia – comunidade), incluindo, em particular, a Pastoral Carcerária e a Pastoral do Menor.

•Para fora do âmbito da própria Igreja: juntando-se com outras forças comunitárias ou de apoio, no bairro, no município, no estado.

•Resumindo: A partir de um grupo gestor de trabalho (GT) crie-se em seguida um Fórum de Segurança Pública, Justiça e Cidadania.

2. Animar, neste ano da I CONSEG, a realização de conferências livres, conforme explicado no site www.conseg.gov.br, para a constituição de uma pressão popular na sociedade brasileira que vise à construção de políticas públicas para a implantação desse novo paradigma de segurança pública no país: um modelo de “Segurança, Justiça e Cidadania”; bem como para a participação das comunidades eclesiais nas conferências municipais e estaduais eletivas, convocadas pelos prefeitos e governadores, para que influenciem estas conferências com as propostas dos movimentos e pastorais sociais e para neutralizar e diminuir a influência das correntes políticas da pura repressão dos movimentos sociais e de direitos humanos. Faço uma observação: as conferências livres são a melhor forma de se preparar para a participação nas conferências eletivas municipais, regionais e estadual. No site da Pastoral Carcerária www.carceraria.org.br (CF-09 e Segurança Pública), há muito material para se informar sobre estas questões e também um documento com sugestões de princípios e diretrizes a serem eventualmente propostas em relação aos sete eixos temáticos de discussão e deliberação para as futuras políticas de Segurança Pública do Estado do Brasil. Os sete temáticos são os seguintes:

I. Gestão democrática, controle social e externo, integração e federalismo;

II. Financiamento e gestão da política pública de segurança;

III. Valorização profissional e otimização das condições de trabalho;

IV. Repressão qualificada da criminalidade;

V. Prevenção social do crime e das violências e construção da paz;

VI. Diretrizes para o Sistema Penitenciário;

VII. Diretrizes para o sistema de prevenção, atendimentos emergenciais e acidentes.

Bandeiras de nossa luta

Como bandeiras de nossa luta, precisamos incluir, nos princípios e diretrizes para um novo modelo de Segurança pública, uma reforma institucional dos três subsistemas de segurança pública, no sentido amplo, ou seja, a reforma das polícias, da justiça penal e do sistema penitenciário e das penas alternativas. Isto inclui a proposta da criação de um conselho paritário e deliberativo, gestor das futuras políticas de segurança pública, incluindo também uma gestão paritária-deliberativa do Fundo Nacional de Segurança Pública e Fundo Penitenciário Nacional, bem como de um Fundo Nacional de Penas Alternativas a ser criado. A reforma das polícias inclui a sua integração mais efetiva, a introdução do ciclo completo de funções, a criação de uma polícia municipal igualmente de ciclo completo, a reforma do inquérito policial, a desmilitarização da polícia militar da sua subordinação à justiça civil, e o fortalecimento do modelo da polícia comunitária, entre outros aspectos.

Na parte da justiça, precisamos lutar pelo fortalecimento das defensorias públicas, e pela introdução da justiça comunitária, da justiça restaurativa e da mediação de conflitos. Na parte da reforma do sistema penal, precisamos lutar por um mecanismo que impeça a superlotação dos presídios, e um aumento da aplicabilidade das penas alternativas para penas cominadas para seis a dez anos, como quase todos os países com democracias mais avançadas decidiram. Precisamos diminuir o número dos presos mediante políticas preventivas ao crime, bem como a reincidência, mas também por meios efetivos da substituição da prisão por maior aplicabilidade da pena alternativa por serviço comunitário, com base inclusive na instalação de centrais de acompanhamento e execução de penas alternativas em cada comarca. Enfim, lutar por uma política nacional séria da integração dos egressos na sociedade, que até hoje de nenhuma forma existe.

Momento histórico

Estamos num momento histórico de decisões sobre as políticas e o modelo de segurança pública do Brasil. É a primeira vez, em 200 anos, que a sociedade tem a possibilidade de, democraticamente, discutir e deliberar sobre seu futuro modelo de segurança pública, e assim sobre o seu modelo de polícia. Perante a falência total do modelo tradicional e puramente repressivo de segurança pública, o presidente da República e o ministro da Justiça decidiram convocar a sociedade brasileira para a realização do processo da Conferência Nacional de Segurança Pública. Decidiram fazer isto, sincronizadamente, com a realização da Campanha da Fraternidade sobre este tema. É uma convocação a conferências de diversos tipos. Como já mencionado, há as conferências livres, às quais qualquer grupo, comunidade, pastoral, movimento, associação, organização, universidade é convidado.

Estas conferências livres podem-se realizar até final de julho. Elas enviam suas propostas de futuros princípios e diretrizes ao Ministério da Justiça para serem incluídas no caderno nacional de propostas, sobre as quais será discutido e deliberado pelos mais de dois mil representantes da sociedade brasileira na Conferência Nacional de Segurança Pública, a se realizar em Brasília, nos dias 27 a 30 de agosto. As conferências eletivas, em nível municipal, estadual, por sua vez, enviam suas propostas ao Ministério da Justiça. Mas, adicionalmente, elegem os representantes da sociedade brasileira a discutir e deliberar nessa Conferência Nacional em Brasília sobre os futuros princípios e diretrizes de Segurança Pública. As conferências municipais eletivas são previstas para municípios com mais de 200 mil eleitores, ou que recebem verba do Pronasci. Elas devem ocorrer em março, abril e maio. Em julho e julho, acontecem as conferências estaduais de segurança pública. Dos dias 27 a 30 de agosto haverá, enfim, a Conferência Nacional de Segurança Pública, a se realizar em Brasília. Todas conferências devem discutir o tema com base no manual oficial de conferências e no manual metodológico publicados no site do Ministério da Justiça.

Agora, ao invés de apenas criticar, deveríamos assumir e conquistar o nosso espaço. Queremos um outro modelo de segurança pública, mas devemos agir para isso.

Campanha da Fraternidade

Essas conferências são a maior prova que a Campanha da Fraternidade foi compreendida. As comunidades eclesiais e as pastorais devem entender que agora chegou um momento muito importante para todos municípios, estados e nação. Os cristãos devem agir tomando em consideração sua mística bíblica, sua religiosidade cristã. Vamos colaborar, refletir juntos, estudar e sair desse modelo do ódio e da vingança. Se não participarmos, aqueles que têm a filosofia do “mata bandido” e da expulsão dos pobres e de sua criminalização continuarão produzindo mais e mais presos, além de pessoas destruídas voltando para a sociedade, como os egressos que são rejeitados até na hora de procurar um emprego.

Isso faz aumentar a brutalidade dos crimes, porque ninguém quer mais saber dessas pessoas. Além das conferências, precisamos manter um trabalho contínuo, porque somente em bairros e sociedades que levaram isso a sério como prática e cultura permanente de segurança pública diminui a violência. Dessa forma, as crianças já crescem com outra perspectiva de vida.

Núcleos autônomos de segurança pública

Um resultado da Campanha da Fraternidade 2009 “Segurança Pública” deveria ser a criação de núcleos comunitários autônomos de segurança pública, como as CEBs, que identificassem nos bairros as igrejas, clubes de esporte e culturais, teatro, escolas e postos de saúde para fazer uma aproximação através de um núcleo próprio da Igreja, depois ver nosso bairro, fazer um levantamento sobre onde temos os problemas de violência. Isso deve começar pela violência familiar, e até a violência entre vizinhos. Esses núcleos enviariam as demandas para os Conselhos Estaduais de Base, que são chamados de Conselhos de Segurança Pública, comunitários por distrito. É previsto que cada distrito policial tenha um conselho formal com título de entidade jurídica, mas também outro que seja autônomo, com representantes da comunidade e polícia. Tradicionalmente, o que ocorre é que os próprios policiais eram condutores desses conselhos. Depois, houve um acordo com todos os governadores brasileiros para que houvesse comunidades autônomas.

Infelizmente, a esquerda nunca participou dessas iniciativas, então sobra para os comerciantes e a “elite” do bairro cooptarem a polícia. Isso é uma privatização da polícia, porque a elite do bairro paga a polícia, o conserto dos carros e a gasolina. Assim, a polícia se torna “refém” desse segmento social e as outras pessoas que não têm dinheiro ficam de fora do esquema de proteção. Em São Paulo, vivemos um processo de rediscussão do modelo desses conselhos para criar uma nova lei estadual, que saia desse impasse.

Refletimos sobre um processo conjunto, no qual participe a comunidade e a polícia, de forma participativa. Haverá, neste ano, um esforço político para que todos os municípios criem um Conselho Municipal de Segurança Pública, no qual entrem todas as instituições do município, inclusive a Polícia Militar e Civil. Todos devem estar dentro desse conselho representativo paritário deliberativo nos municípios para que a população comece a se identificar com o tema da segurança pública. Aí está o desafio das CEBs – as comunidades devem, de certa forma, voltar àquilo que era a proposta das CEBs: não só pensar a nós dentro da Igreja, fazendo celebrações e orações profundas e bonitas, que ficam só entre nós, mas nos tornarmos um catalisador da organização do bairro para a esperança, identificando onde estão os maiores problemas de segurança e violência. Refletir perante Deus e os moradores sobre o que podemos fazer, estudando novos conceitos de segurança pública e sermos co-construtores de uma nova sociedade, expressão do amor e diaconia da Igreja ao mundo, constitutiva para o ser da própria Igreja é a nossa missão.

IHU On-Line – Com frequência retorna o debate: construir mais escolas, ou mais presídios? Como o investimento em educação pode resultar em um decréscimo da criminalidade?

Gunther Zgubic – Na verdade, o termo educação é bastante amplo. Existe a educação formal em três graus, como vemos no caso brasileiro. Há, também, a educação informal, como, por exemplo, as reuniões de bairro, processo formativo que acontece de inúmeras formas, através de palestras, refletindo sobre problemas concretos. Às vezes, esse processo informal é mais importante do que o processo formal de educação.

Hoje, a escola, além de seus três níveis, é o centro da organização do delito. Muitos diretores e professores têm medo de entrar na escola. Os alunos se organizam em grupos no método “bullying”, realizando brutalidades, perseguindo os colegas. Precisamos destacar que os próprios alunos que formam esses grupos de perseguição têm problemas familiares, de valorização de vida, porque apanham, sofrem agressões absurdas. Assim, as crianças vítimas dessas brutalidades querem mostrar que também são fortes, e por isso descontam nos colegas, dentro da escola. A consequência é que esses jovens se unem a outros estudantes com comportamento igual, formando pequenos núcleos de brutalidade, caçando, perseguindo e maltratando colegas. Essa postura faz crescer o delito organizado já desde a escola, solidificando os atos associais e criminais. É por causa de realidades assim que precisamos criar instrumentos de segurança de vida dentro das escolas, porque no Brasil há uma liberdade excessiva, para tudo. O fim dessas crianças será o presídio. Não há etapas de controle formal e informal já na raiz, e a escola é um ótimo exemplo disso.

O grito da família

Em Belo Horizonte e Porto Alegre, vemos experiências escolares nas quais se cria um modelo de trabalho no qual os professores procuram entender os alunos, escutando o grito desses jovens frustrados. O que há por trás desse grito? Retomo o que um colega da Pastoral do Menor disse-me uma vez. Se os professores pudessem compreender quem são os alunos difíceis e houvesse um investimento público para “ouvir” realmente seu grito, se perceberia que esse não é um grito apenas da criança, do jovem que tem comportamento violento, mas é um grito da sua família. Algo não vai bem nessa família. É preciso que essa família receba acompanhamento. Aí entram as pastorais, sejam da juventude, da família, da sobriedade, a pastoral orgânica da paróquia, os grupos núcleos eclesiais comunitários de bairro.

Certa vez, um delegado da chefia da Polícia Civil disse-me: “Padre, se pudéssemos trabalhar juntos, poderíamos partilhar confidencialmente onde há grave violência familiar, com base nos Boletins de Ocorrência (BO)”. Se a Igreja e os conselhos pudessem fazer isso em parceria com a Polícia, poderiam realizar um trabalho “corpo a corpo” já nas famílias. Nesse sentido, o Estado poderia interferir no narcotráfico que acontece dentro das próprias salas de aula, em horário de aula. É preciso recuperar o modelo de justiça restaurativa. O Estado precisa se impor, mas não deve policializar as escolas. Por isso, é preciso trabalhar de antemão onde há pequenas coisas, para que não se tornem maiores. A mediação de conflitos, a terapia comunitária e familiar são fundamentais nesse sentido. Por tudo isso, compreendemos que segurança pública é muito mais do que apenas a repressão brutal da polícia.

* Instituto Humanitas Unisinos