América Latina: Quo Vadis?
Dom Demétrio Valentini
Esta pergunta, que a ficção histórica criou para Cristo interpelar Pedro, quando este queria fugir de Roma, com medo de enfrentar o monstro imperial, pode ser repetida agora para a América Latina, em especial, para a Igreja Católica em nosso continente.
Para onde vai a América Latina? Para onde vai a Igreja latinoamericana?
A Diocese de Jales tem motivos especiais para se identificar com a caminhada da Igreja da América Latina. Suas próprias coordenadas geográficas a situam no marco zero do Rio Paraná, cujas águas vão dar no Estuário da Prata, irmanando países do Mercosul, e sinalizando com clareza o mapa deste continente privilegiado de águas e de riquezas de biodiversidade.
Mas sobretudo o fato da Diocese ter sido criada no dia 12 de dezembro de 1959, dedicado à Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira da América Latina, lhe deu desde o início esta conotação latino americana. Agora a Diocese está se aproximando do jubileu de ouro de sua criação. Ela procura ler em suas datas históricas o enigma de sua vocação, com claros traços de sua vinculação com a América Latina.
Na recente Conferência Episcopal, realizada em Aparecida, de âmbito latinoamericano, os bispos vincularam os destinos da Igreja à causa da vida dos seus povos. O seu tema estabelecia com clareza o objetivo resultante da identidade e da missão dos cristãos, como discípulos e missionários de Jesus Cristo, “para que nele nossos povos tenham vida”
Portanto, a Igreja quer se pensar não a partir de si própria, ou em torno de interesses corporativos, mas em torno das causas vitais dos povos latinoamericanos.
Na verdade, o atestado histórico mais válido que a Igreja pode ostentar em nosso continente, é o de ter trilhado o caminho do povo, mesmo que nem sempre tenha acertado o passo com suas verdadeiras causas.
Os países da América Latina têm traços muito semelhantes, que lhe desenham o seu perfil histórico. É uma histórica complexa, marcada sobretudo pelo processo de colonização, que atropelou povos indígenas e populações escravas trazidas da África.
Recentemente, a América Latina foi perpassada por um eletrizante circuito de consciência histórica, conferido pelo despertar da Igreja Católica Latinoamericana, por ocasião do desencadear do processo de renovação eclesial suscitado pelo Concílio Vaticano Segundo.
Foi o único continente que abraçou, coletivamente, a causa da renovação conciliar, graças à providencial criação do CELAM, em 1955, às vésperas do Concílio, o que lhe possibilitou posicionar-se coletivamente, de maneira articulada, face às propostas conciliares, sobretudo pela Conferência Episcopal de Medellín, em 1968.
Foi assim que a Igreja da América Latina se constituiu num sujeito histórico, em condições de agir coletivamente, e determinar mudanças e avanços significativos, fruto deste singular momento de intensa identidade, coincidindo com os ventos favoráveis da renovação conciliar.
Mas não demorou que os ventos mudassem de direção, partindo até de dentro da realidade latino americana, com a manifestação de resistências diante do processo conciliar.
A Conferência de Aparecida teve o melhor de sua intuição na retomada da identidade própria da Igreja Latino Americana. Neste sentido, ela retoma a inspiração de Medellín.
A interrogação que permanece se refere à consistência desta retomada. Ela ainda precisa enfrentar ventos contrários. A Igreja da América Latina passa por uma provação histórica como nunca. Ela se vê questionada em sua condição de Igreja chamada a expressar a fé cristã do povo de nosso continente. Um continente que ainda quer ser cristão, e um povo que quer ser Igreja.
Que feições deveria assumir a Igreja de Cristo em nosso continente, para expressar adequadamente a fé cristã, fazendo-a produzir frutos de vida abundante para os povos latino americanos?