Ritos e desejos de Ano Novo
Marcelo Barros *
Nesta noite de Ano Novo, muitas pessoas reúnem a família, abrem garrafas de champanhe e vinhos borbulhantes e se abraçam com os mais sinceros desejos de um feliz 2009. Muitos, guiados pela televisão, unem-se às multidões que acorrem a espetáculos especiais de luzes e esplendor. Quem acredita em presságios escuta oráculos predizerem a sorte. Em Copacabana e em outras praias, multidões oferecem flores a Iemanjá e muitos cristãos se reúnem em uma vigília pela paz do mundo.
Você pode viver o ano novo apenas como um dia que, hoje, o calendário traz e, dentro de poucos dias, terá passado. Mas, pode, ao contrário, assumir a mudança de ano como “tempo de graça” na sua vida. É uma oportunidade para rever o ano que passou e descobrir o apelo a uma vida nova.
A noite de ano novo lembra ritos dos tempos mais antigos da humanidade. As comunidades tradicionais entravam no espírito de renovação através de gestos simbólicos como jogar fora tudo o que pudesse significar o que está “envelhecido” na vida e no coração da gente (como o ano que acabou). Em algumas tribos, as pessoas jogam fora roupas velhas para significar o desejo de ser transformados. Outros grupos costumam peregrinar a uma alta montanha ou banhar-se no rio ou no mar, no primeiro momento do ano, para acolher o tempo novo dado por Deus.
Na tradição dos povos andinos, a noite de ano novo é em junho, quando no meio do inverno, o sol começa a renascer para tornar os dias novamente mais longos. Então, as comunidades se reúnem em redor do fogo, fazem uma saudação aos quatro pontos cardeais e realizam um ritual de ternura e reverência para com a Mãe Terra.
Desde os tempos bíblicos, as comunidades de Israel celebram o ano novo em setembro. Mas, por algum tempo, as antigas tribos de hebreus celebravam o ano novo na festa da Páscoa. Naquele tempo, o fermento que se tinha era o da massa de pão que, cada vez, ia se misturando com a massa nova. Por isso, o fermento era símbolo de corrupção e mentira. Até hoje, nos dias da Páscoa, as famílias judaicas eliminam das casas todo o fermento. Nas sinagogas antigas, o rabino sugeria o que Paulo escreveu: “Joguem fora de suas vidas o fermento da malícia e da corrupção para serem uma massa nova, como pão ázimo (não fermentado) na sinceridade e na verdade” (1 Cor. 5, 7).
Quando o povo vivia em tendas e a sociedade se organizava por clãs, o rito mais importante da noite de ano novo era um sorteio. Através desse rito, as terras eram novamente repartidas entre as famílias que sofreram perdas de guerra ou dívidas. Por uma “reforma agrária”, a cada ano revista, o povo saudava o ano novo como momento de refazer a justiça e a igualdade de todos.
Hoje, é importante que os ritos do ano novo sejam marcados pelo amor e pela solidariedade e não pelo consumismo que reforça a desigualdade social e as injustiças. Se nossos ritos de ano novo consistirem apenas em comilanças e bebedeiras, que esperança podemos ter de um ano novo de paz e felicidade para a terra e os que nela habitam?
A partir deste 1º de janeiro, a imensa maioria dos municípios brasileiros terá uma nova administração na prefeitura e na Câmara Municipal. Mesmo se o prefeito tiver sido reeleito, a esperança é de uma gestão nova e mais generosa. Entretanto, isso dependerá de todos os cidadãos e nós temos, cada vez mais de lutar pacificamente por uma política participativa. Nada de votar nos candidatos e voltar a encontrá-los daqui a quatro anos. Temos de controlá-los e recordá-los a todo momento que foram eleitos para nos representar e não para nos substituir. Que na cidade, como em nossa casa, organizemos a vida a partir da solidariedade. Se fizermos isso, vamos experimentar o que diz o Novo Testamento: “Há mais alegria em dar do que em receber”. A maioria festejará a vida e a paz que virão através da justiça. Assim, nesta noite de ano novo, cada pessoa poderá dizer ao seu vizinho uma antiga bênção irlandesa: “Que o caminho seja brando a teus pés. O vento sopre leve em teus ombros. Que o sol brilhe cálido sobre tua face, as chuvas caiam serenas em teus campos. E até que, de novo, eu te veja, que Deus te guarde na palma da sua mão”.
* Monge beneditino e escritor