São João de Cronstadt
O Cura D’Ars da Rússia Ortodoxa
21 de Dezembro
São João (Ioan Ilíitch Serguiev), chamado de João de Kronstadt, nasceu em 19 de outubro de 1.829 de uma família pobre na aldeia de Sura distrito de Arcanguelsk. Ele foi batizado logo após seu nascimento, pois, pensaram que não iria viver por muito tempo. Deram-lhe o nome de João em honra de São João de Rilsk, cuja memória era celebrada nesse dia. Porém a criança foi se desenvolvendo e crescendo forte. Sua infância transcorria em extrema pobreza e privações, mas seus devotos pais infiltraram nele um forte fundamento de fé. O menino era quieto, concentrado e amava a natureza e os ofícios religiosos.
Quando João completou nove anos, seu pai, tendo juntado as últimas migalhas, levou-o à escola diocesana de Arcanguelsk. Os estudos eram difíceis, motivo pelo qual ele se afligia muito. Então o menino pediu a ajuda de Deus. Certa vez, em um desses momentos difíceis, tarde da noite quando todos dormiam, ele se levantou e começou a rezar com extremo fervor. O Senhor ouviu sua prece: a Graça Divina o envolveu, e, conforme sua própria expressão, “imediatamente era como se uma cortina tivesse sido tirada de seus olhos.” Ele se lembrou de tudo o que era dito na classe, e tudo ficou claro em sua mente. Daquele momento em diante ele teve grandes progressos em seus estudos. Em 1851 João Serguiev concluiu o seminário com distinção e ingressou na Academia de Teologia de São Petersburgo.
A vida na capital não corrompeu o jovem; ele continuou sendo religioso e compenetrado como era em casa. Logo seu pai morreu, e para manter sua mãe, João começou a trabalhar na chancelaria da academia com o salário de nove rublos ao mês. Esse dinheiro era enviado na íntegra à sua mãe. Em 1.855 ele concluiu a Academia com excelentes notas. O jovem formando foi ordenado e nomeado padre da catedral de Santo André em Kronstadt (próximo a São Petersburgo).
Desde o primeiro dia de sua ordenação, o padre João se dedicou inteiramente a serviço do Senhor e passou a oficiar diariamente a Divina liturgia. Ele rezava fervorosamente, ensinava as pessoas a levarem uma vida correta e ajudava os necessitados. Seu fervor era surpreendente. No princípio algumas pessoas riam dele, considerando-o não totalmente normal.
Por um tempo o padre João foi professor do Sagrado Testamento. Sua influência sobre os alunos era irresistível e as crianças gostavam muito dele. Ele não era apenas um educador frio, era um interlocutor interessante. Ele tratava seus alunos com calor e sinceridade, freqüentemente intercedia por eles, não os reprovava nos exames e mantinha diálogos simples, os quais eram lembrados pelos alunos pelo resto de suas vidas. O padre João tinha o dom de acender a fé nas pessoas.
O padre João se compadecia muito pelos pobres e sofredores. Ele não menosprezava ninguém e atendia ao primeiro apelo dos mendigos e dos decaídos. Alí nas casas deles ele rezava e depois os ajudava, freqüentemente dando tudo daquilo que possuía. Às vezes sucedia que ao chegar a uma casa de família muito necessitada e vendo a pobreza e a doença, ele mesmo se encaminhava ao mercadinho ou procurava pelo médico na farmácia.
Ele nunca se recusou aos pedidos de orações nem dos ricos nem dos pobres, nem dos famosos ou qualquer simples desconhecido. E o Senhor recebia suas preces. Durante a liturgia o padre João rezava com fervor, exigente e ousadamente. O Arcipreste Vassily Shustin descreve uma das liturgias do padre João, na qual ele esteve presente em sua juventude, da seguinte maneira: “Durante o Grande Jejum (Quaresma) cheguei a Kronstat junto com meu pai, para jejuar junto ao padre João. Porém, como se tornou impossível ter uma confissão privativa com ele, tivemos que nos confessar na confissão comunitária. Meu pai e eu chegamos à catedral de Santo André antes do toque do sino. Estava escuro — apenas 4 horas da madrugada. Embora a catedral estivesse trancada, já havia um número relativamente grande de pessoas perto dela. No dia anterior nós havíamos conseguido do “starosta” (o responsável da Igreja) uma autorização para entrarmos no altar. O altar era grande e acomodava 100 pessoas. Meia hora depois o padre João chegou e iniciou os ofícios matinais. Nessa hora a catedral ficou lotada; ela comportava aproximadamente cinco mil pessoas. Diante do público havia uma cerca afim de conter os fiéis. O cânone da matinal foi lido pelo próprio padre João.
No final da matinal teve início a confissão comunitária. Inicialmente o padre leu as orações que precedem a confissão. Em seguida disse algumas palavras sobre o arrependimento e elevando a voz, para que todos ouvissem, falou: “Arrependam-se.” — Aqui começou a acontecer algo incrível. Ouviram-se clamores, gritos e confissões verbais dos pecados mais secretos. Alguns procuravam gritar seus pecados o mais alto possível, para que o padre ouvisse e rezasse por eles. O padre por sua vez, ajoelhado e com a cabeça encostada na mesa do altar rezava fervorosamente. Aos poucos os gritos se transformavam em pranto e soluços. Isto continuou por uns 15 minutos. Depois o padre se ergueu e saiu para o público; o suor escorria pelo seu rosto. Ouviam-se pedidos de intercessão, mas outros ficaram quietos e finalmente a catedral silenciou. Então o padre, erguendo bem alto o paramento sacerdotal, leu a oração de absolvição e moveu o paramento sobre as cabeças das pessoas. Depois ele entrou no altar e foi iniciada a liturgia.
Havia 12 sacerdotes servindo e sobre a mesa do altar 12 cálices enormes e discoses. O padre servia tenso, exclamando algumas palavras em alto brado e manifestando como que uma especial intrepidez diante de Deus. Afinal de contas quantas almas arrependidas ele tomou sobre si! Foram lidas muitas orações antes da Comunhão, pois, era preciso preparar muitas partículas para a Comunhão. Para o Cálice foi colocado diante do público um suporte reforçado protegido por duas grades. Às 09:00hs da manhã o padre deu início à comunhão.
Por diversas vezes o “batiushka” precisou pedir às pessoas para que não empurrassem umas às outras. Próximo ao cercado havia uma corrente de policiais, os quais controlavam a multidão, permitindo assim a aproximação dos comungantes. Embora houvesse mais dois sacerdotes nas laterais da catedral dando a comunhão, o “batiushka” terminou de dar comunhão após às 14:00hs, tendo pego Cálices adicionais por diversas vezes. Eu permaneci até o final da liturgia. Quando ela terminou, ainda restavam Sacramentos Sagrados no Cálice, e o “batiushka” então chamou para o Altar por aqueles que ainda não tomaram o vinho após a comunhão e colocando-os em semicírculo diante da Mesa de Oblação e segurando o cálice nas mãos, ele administrou os Santos Sacramentos pela segunda vez. Esta cena da Ceia Mística de Amor muito comovente. O “batiushka” não demonstrava nenhum traço de fadiga na face e com o rosto feliz ele congratulava a todos. Os ofícios e a Sagrada Comunhão nos deram tanto entusiasmo e forças que meu pai e eu não sentimos nenhum cansaço. Tendo recebido a benção do padre João, almoçamos ligeiramente e partimos para casa.”
Algumas pessoas se referiam ao padre João com malevolência — uns por ignorância, outros por inveja. Assim, certa vez um grupo de leigos e de clérigos, descontentes com o padre João, escreveram uma carta de reclamação ao Metropolito Isidoro de S. Petersburgo. O Metro polito abriu a carta, olhou e viu diante de si uma folha de papel em branco. Chamou então os autores da carta e exigiu uma explicação. Eles afirmavam de que o Metropolito segurava nas mãos a carta de acusação escrita por eles. O Metropolito perplexo então chamou o padre João, perguntando o que sucedia. Quando o padre João rezou a Deus, o Metropolito começou a ver que realmente ele tinha em suas mãos uma carta de acusação e não um papel em branco. Entendendo, através deste milagre, que Deus defendia o padre João das calúnias, o Metropolito rasgou a carta e com raiva expulsou os queixosos, e o padre João disse carinhosamente: “Sirva a Deus batiushka, e não se perturbe!”
A oração de padre João era extraordinariamente poderosa. Através dela, ele curava milhares de pessoas tanto presentes como ausentes. Sabendo do poder de suas orações, pessoas não só de Kronstadt se dirigiam a ele, como também pessoas de todos os cantos da Rússia e até do estrangeiro. A quantidade de cartas e telegramas dirigidas ao Padre João era tão volumosa que o correio de Kronstadt repartiu para ele um setor particular. Essas cartas e telegramas eram habitualmente lidas pelo Padre João logo após a liturgia, com freqüência contando com a ajuda de secretários, e ali mesmo rezava fervorosamente pelos suplicantes. Entre os que foram curados pelo Padre João, havia pessoas de todas as idades e classes sociais; havia ali ortodoxos, católicos, judeus e muçulmanos. Eis alguns relatos sobre as curas operadas pelo Padre João.
Certa vez uma mulher tártara dirigiu-se ao Padre João com o pedido de oração por seu marido muito enfraquecido, o qual ela trouxe numa carroça. O Padre João perguntou à mulher se ela acreditava em Deus. Diante da resposta afirmativa ele disse: “Rezemos juntos. Você reza do seu modo e eu rezo do meu.” Terminando a oração, o padre João abençoou a mulher. Retornando à carroça a mulher tártara ficou pasma pela surpresa de ver seu marido curado caminhando em sua direção.
Na Karkóvia vivia um advogado judeu. Sua filha única de oito anos de idade adoeceu de escarlatina. Foram solicitados os melhores médicos, mas o organismo da menina não conseguia reagir contra a doença. Os médicos comunicaram à família de que a situação da menina era totalmente sem esperanças. O desespero dos pais era profundo, mas, eis que o pai se lembrou que o padre João de Kronstadt chegou a Karkov nessa época, e ele ouviu falar a respeito de seus milagres. Ele então ordenou a um cocheiro que o levasse ao local onde uma grande multidão aguardava para receber o padre João. Forçando a passagem entre a multidão, o advogado jogou-se aos pés do padre João com as seguintes palavras: “Santo padre, eu sou judeu, mas te peço — me ajuda!” O padre João perguntou o que aconteceu. — “Minha única filha está morrendo. Mas reza a Deus e salva-a,” — exclamou o pai em prantos. padre João, colocando a mão sobre a cabeça do pai, ergueu os olhos para o céu e começou a rezar. Após um minuto, ele disse ao pai: “Levanta e siga para casa em paz.” Quando o advogado aproximou-se de sua casa, sua esposa encontrava-se na varanda e gritou que a filha deles estava sã e salva. Entrando em casa, ele encontrou sua filha conversando com os médicos — aqueles que há algumas horas atrás a haviam sentenciado à morte, e agora, estavam sem conseguir entender o que tinha acontecido. Essa menina depois se converteu à ortodoxia e foi batizada com o nome de Valentina.
Uma mulher possessa não suportava a presença do padre João, e quando ele passava em algum lugar próximo, ela se debatia tanto, que era necessário alguns homens fortes para conte-la. Certa vez o padre João aproximou-se dela. Ele ajoelhou-se diante dos ícones e mergulhou em orações. A possessa começou a se debater em convulsões, a blasfemar contra ele e amaldiçoá-lo, e depois, repentinamente se aquietou e parecia estar inconsciente. Quando o padre João se ergueu das orações, todo seu semblante estava banhado de suor. Aproximando-se da enferma, ele a abençoou. A ex-possessa abriu os olhos e em prantos atirou-se aos pés do padre. Essa cura repentina causou em todos uma tremenda impressão.
Entretanto às vezes o padre João recusava orar por alguma pessoa, evidentemente prevendo a vontade de Deus. Assim, verta vez padre João foi chamado ao instituto de Smolny para ir ao leito de uma princesa de Chernogor sèriamente enferma. Faltando uns dez passos para chegar, ele deu uma volta brusca e retornou dizendo: “Não posso rezar.” Após alguns dias a princesa morreu. Às vezes, porém, ele revelava grande perseverança em suas preces, conforme ele mesmo da o testemunho sobre um caso de cura: “Por nove vezes me dirigi a Deus com todo o fervor da oração, e o Senhor finalmente me ouviu e curou o doente.”
O padre João não era um pregador hábil. Ele falava com clareza e simplicidade, sem qualquer eloqüência, mas falava do fundo da alma, e com isto persuadia e inspirava seus ouvintes. Seus sermões eram imprimidos em série e eram publicados em vasta escala por toda Rússia. Foi publicado também um apanhado de composições do padre João, consistindo em diversos grandes volumes.
O diário do padre João “Minha vida em Cristo” é repleto de um amor especial. A despeito de ser muito ocupado, padre João anotava diàriamente seus pensamentos que vinham à sua mente durante as orações e meditações. Foram estes pensamentos que compuseram o diário do padre João. No final desta brochura traremos alguns pensamentos escolhidos desse diário.
É preciso imaginar como se passava o dia do padre João, para entender todo o peso de labor! Ele acordava diariamente às 03:00 horas da madrugada e se preparava para oficiar a liturgia. Perto das 04:00 horas ele se dirigia à Igreja para as matinais. Ali já o aguardava uma multidão ansiosa, sedenta para vê-lo e receber sua benção. Havia também muitos pobres, aos quais o padre João dava esmolas. Logo depois das matinais o padre João fazia sempre confissão comunitária devido ao enorme número de participantes. Depois ele oficiava a liturgia e no final dela a comunhão era muito demorada. Em seguida o padre João levava as cartas e telegramas recebidos diretamente ao altar, e ali mesmo ele as lia e rezava pelos que pediam ajuda. Depois, acompanhado de milhares de fiéis, o padre João se dirigia a S. Petersburgo atendendo a chamados incontáveis de pessoas doentes. Raramente ele voltava para casa antes da meia noite. Algumas noites ele passava sem dormir — e assim passavam dia após dia, ano após ano sem parar. Viver e esforçar-se desta maneira só poderia ser possível com a ajuda sobrenatural de Deus. A fama do padre João era seu maior fardo. Onde quer que ele aparecesse, imediatamente uma grande multidão de pessoas crescia, sedenta de pelo menos olhá-lo.
Pelas mãos do padre João passavam centenas de milhões de rublos. Ele nem tentava contá-los: pegava com uma mão e imediatamente dava com a outra mão. Diante desta caridade direta, o padre João criou uma organização especial de ajuda. Em 1882 foi aberta em Kronstadt a “Casa da habilidade,” onde havia Igreja própria, escola elementar para meninos e meninas, orfanato, clínica para quem viesse, asilo, biblioteca popular gratuita, abrigo que comportava até 40.000 pessoas ao ano, uma variedade de oficinas onde os indigentes podiam ganhar algum dinheiro, cantina popular barata, onde em festas eram servidos até 800 almoços gratuitos e hospedaria para viajantes.
Através da iniciativa e suporte material do padre João, foi construída uma estação de resgate à beira da baía. Em sua cidade natal ele construiu uma Igreja linda. Não existe possibilidade de enumerar todos os lugares e distritos até onde se estendia sua preocupação e sua ajuda.
Foram conservados muitos casos das perspicácias do padre João. Certa vez ele estava oficiando uma “molhêben” (Te Deum) em uma casa na cidade de Kozan. No meio dos muitos suplicantes presentes encontrava-se um professor, o qual não gostava do padre João. Quando terminou a “molhêben,” o professor tentou se esquivar de beijar a cruz e do encontro com o Padre João. Porém o Padre dirigindo-se a ele através da multidão disse: “Por que o senhor, professor teme a cruz? Pois se em breve e senhor mesmo terá de dar a cruz para as pessoas beijarem!” O professor, envergonhado sob os olhares de todos os presentes em sua direção, aproximou-se do Padre João e beijou a cruz. Depois de algum tempo, a esposa deste professor o abandonou e após isto ele entrou para o mosteiro e tornou-se bispo e reitor da Academia Teológica de Kazan.
O Padre João expirou no dia 20 de dezembro de 1908, aos 80 anos de vida. Uma imensa multidão acompanhou seu corpo desde Kronstadt até S. Petersburgo, onde ele foi sepultado no mosteiro de Ivanovsky, o qual ele mesmo fundou. Pessoas de todos os lados da Rússia vinham rezar diante de seu túmulo; os ofícios de Réquiem eram ininterruptos. Forte em sua fé, fervoroso nas preces e em seu amor ao Senhor e às pessoas, o Padre João de Kronstadt irá usufruir do amor do povo russo enquanto existirem pessoas com fé. Mesmo após sua morte, ele atende rapidamente às súplicas de todos os que pedem sua ajuda.
O Padre João era uma pessoa de altura mediana, macilento e magrinho. Seus cabelos eram claros, seu rosto aparentava frescura com um brilho corado. Seus olhos azuis eram o destaque dos traços de seu rosto. Algumas pessoas até tinham medo de seu olhar penetrante, pois, para eles parecia que era como se o Padre João enxergasse suas almas. Certa vez um homem se recusou decididamente a encontrar-se com o Padre, explicando que ele poderia acusá-lo de alguma coisa diante de todos. Porém os olhos do Padre João sendo penetrantes irradiavam um imenso amor e compaixão. Pelo testemunho das pessoas que conheciam bem o Padre João, a maioria de seus retratos não conseguia transmitir o calor de seu olhar.