São Nicéforo

27 de Fevereiro

Quando Valeriano e Galieno eram imperadores, viviam em Antioquia o sacerdote Saprício e seu amigo íntimo Nicéforo. O inimigo de todo o bem semeou cizânia, a amizade dos dois transformou-se em inimizade acérrima. Algum tempo depois Nicéforo, caindo em si, procurou aproximar-se de Saprício, porém não lhe quis perdoar; uma segunda tentativa, feita por intermédio de outros amigos, não teve melhor resultado. Ainda pela terceira e quarta vez Nicéforo procurou o ex-amigo, chegando a prostrar-se diante dele, dizendo: “Pai! Perdoai-me pelo amor de Deus!” Inútil esperança!

                                              Saprício, esquecendo-se por completo do dever de cristão e sacerdote, fechou o coração aos sentimentos de perdão.

                                              Aconteceu que ao mesmo tempo rebentasse em Antioquia uma terrível perseguição da religião cristã. Os cárceres enchiam-se de prisioneiros, cujo único crime consistia em serem cristãos e muitos tiveram a morte gloriosa do martírio. Também Saprício foi preso e levado à presença do governador, o qual fez o seguinte inquérito: “Como te chamas?” – “Chamo-me Saprício”. – “Tua profissão, qual é?” – “Sou cristão”. – “Não és sacerdote?” – “Sou” – “Eis a ordem dos imperadores Valeriano e Galieno, segundo a qual todos aqueles que se dizem cristãos, devem sacrificar aos deuses imortais. Quem se negar a prestar esta homenagem, será condenado a torturas e multas e, se não ceder, será morto”. Saprício responde: “Nosso Rei é Cristo. Só ele é o Deus verdadeiro, Criador do céu, da terra e do mar. Os deuses dos pagãos, porém são ídolos, que devem desaparecer do mundo, pois nenhum poder têm, visto serem feitos por mão humana”.

                                              Em paga desta confissão, Saprício foi cruelmente torturado. O Mártir, porém, ficou firme na fé e disse ao governador: “Tens apenas poder sobre minha carne; minha alma está nas mãos de Jesus Cristo, daquele que a formou”. O governador, vendo que nada conseguia com torturas, condenou Saprício à morte pela espada. O sentenciado foi levado imediatamente ao lugar da execução. Nicéforo, sabendo o que acontecera, veio de encontro a Saprício, lançou-se-lhe aos pés, dizendo: “Mártir de Cristo, perdoe-me o que contra vós fiz!” Saprício nada respondeu. Nicéforo reiterou o pedido: “Mártir de Cristo – assim falou a Saprício – perdoai-me o que em humana fraqueza contra vós fiz. Eis a coroa que Cristo vos oferece, em recompensa da fé, que corajosamente confessastes, em presença de muitas pessoas”. Saprício ficou inflexível e da boca não lhe saiu a palavra do perdão. Aconteceu então o que era de esperar: Deus, vendo seu preceito desatendido pelo seu ministro, retirou-lhe a graça e assistência na hora da morte. Quando chegaram ao lugar do suplício, Saprício recebeu ordem de ajoelhar-se. “Porque devo ajoelhar-me?” perguntou aos algozes. – “Para levar a efeito a execução”, responderam. – “Que fiz eu, para que deva morrer?” – “Porque negaste sacrificar aos deuses, conforme ordenam os imperadores.” – “Não quero morrer. Farei o que me mandarem e prestarei homenagem aos deuses”. Imediatamente foi posto em liberdade.

                                              Outra vez apareceu Nicéforo e vendo o grande escândalo que Saprício acabava de dar, dirigiu-se-lhe dizendo: “Não peques, meu irmão, negando a Nosso Senhor Jesus Cristo. Peço-te não o abandones para que não percas a coroa, que já tinhas segura, como recompensa da tua fidelidade no martírio”. Saprício ficou insensível ainda diante deste último apelo. Para reparar a infidelidade de Saprício, Nicéforo apresentou-se dizendo: “Sou cristão e creio em Jesus Cristo, cujo nome Saprício acaba de negar. Eis-me aqui, pronto para morrer em seu lugar”. Todos os circunstantes se admiraram da coragem de Nicéforo. Os algozes não se atreveram a pôr-lhe a mão, sem autorização do governador. Esta não se fez esperar e poucos minutos depois, rolou a cabeça de Nicéforo na arena, aos pés de Saprício e  dos algozes e sua alma, aureolada com a glória do martírio, voou para o céu, para fazer parte do glorioso exército dos Mártires e cantar louvor ao Rei eterno, Jesus Cristo.

Reflexões:

                                              O amor de Deus é inseparável do amor do próximo. “Quem diz que ama a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso, e a verdade não está nele”. (I.  Jô. 4,  20). Exemplo frisante desta verdade temos na história de Saprício, que perdeu a coroa do martírio, porque embora quisesse morrer pela fé, não soube banir do coração o ódio contra uma pessoa, que o ofendera. Quem odeia a seu irmão, não é amigo de Deus, por mais que insista em afirmá-lo.

                                              Saprício era sacerdote e não obstante perdeu a fé e deu escândalo. Perante Deus não há acepção de pessoa. O estado sacerdotal, como tal, não é garantia nenhuma da felicidade eterna e embora seja de todos os estados o mais santo e venerável, não santifica sem a cooperação pessoal de quem o abraçou. O pecado do sacerdote é maior, maior é a responsabilidade do sacerdote, porque maiores são as graças que recebe, mais clara é sua compreensão das coisas de Deus. Os fiéis devem rezar pelos sacerdotes, para que Deus os conserve na sua graça. Se um mau procedimento de um sacerdote os escandalizar, como aconteceu a Nicéforo, que apesar de sua insistência não pôde mover a Saprício, para que lhe perdoasse, procurem ignorá-lo e lembrem-se que cada um responderá a Deus pelos seus atos. Entre doze Apóstolos houve um Judas apenas. O exemplo deste por ninguém deve ser imitado, enquanto que muito nos deve animar, edificar e entusiasmar a virtude, a dedicação de um Pedro, de um João e demais Apóstolos.