Segurança Pública e Fraternidade
Frei Betto
Inicia-se, nesta Quaresma, a 47ª edição da Campanha da Fraternidade (CF), promovida pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). O tema deste ano é “Fraternidade e segurança pública”, e o lema “A paz é fruto da justiça” (Isaías 32, 17).
Segundo o documento da CF, entre os objetivos se destacam “suscitar o debate sobre segurança pública e contribuir para a promoção da cultura de paz; denunciar os crimes contra a ética, a economia e as gestões públicas, assim como a injustiça presente nos institutos de prisão especial, do foro privilegiado e da imunidade parlamentar para crimes comuns; favorecer a articulação de redes populares e de políticas públicas com vistas à superação da violência; apoiar as políticas governamentais valorizadoras dos direitos humanos”.
A CNBB aponta três tipos de violência predominantes no Brasil: a estrutural, que nega cidadania a uma parcela da população e discrimina os “diferentes”; a física, como a tortura, a agressão à mulher, a exploração laboral e sexual de crianças; e a simbólica, através de ameaças e constrangimentos, negação de informação e disseminação da cultura do medo.
Talvez a mais freqüente e dissimulada seja a que ocorre dentro dos lares, desde maus tratos a empregadas às brigas entre casais; a agressão à mulher e aos filhos; as dependências químicas; o descaso pelos idosos; a pedofilia indenunciada e recorrente.
Uma das formas de violência mais visíveis hoje é a ambiental, que promove o desmatamento e a poluição das águas e do ar, favorece a emissão de CO2 na atmosfera e o aquecimento global; reduz a biodiversidade e as fontes de alimentos saudáveis. Há também a sutil, como alimentos transgênicos não-identificados, embalagens perniciosas à saúde, produtos com substâncias químicas nocivas.
Os dados da CNBB mostram que indígenas e pequenos agricultores têm perdido suas terras e sido assassinados em decorrência de conflitos fundiários. “Como não há limites, os que têm dinheiro se tornam proprietários da maior parte das terras; no outro extremo, quem não tem como comprar, fica sem nada, sem lugar para trabalhar e para viver. Como surgem os Sem-Terra e os Sem-Teto organizados, exigindo seus direitos, nada mais fácil que cresça a acusação e a imagem de que são baderneiros e, no limite, terroristas, e que ela seja combinada com o sentimento geral de que a violência direta ou a repressão policial é o prêmio destinado a quem se rebela contra a própria sorte” (p. 185).
A violência não reside apenas em agressões evidentes. Ela se imiscui até mesmo no nosso modo de pensar e falar, no discurso que considera a paz resultado do equilíbrio de forças (“mais cadeias, mais repressão”) e não fruto da justiça. Há ainda a violência da mídia que invade os lares com programas pornográficos, exaltando a imbecilidade, a ociosidade vadia, o sucesso e a fama dos que transgridem as leis.
A CNBB propõe que o tema da segurança pública seja debatido em escolas, igrejas, fóruns, mídias. Sugere que se promova o diálogo com o poder público para a elaboração de programas, leis e políticas de segurança; que sejam organizados atos públicos em favor do tema; criem-se comissões de justiça e paz e de direitos humanos que possam acompanhar casos de violação desses mesmos direitos; denuncie e combata-se toda forma de trabalho escravo, de tráfico de pessoas, de exploração sexual, de violência doméstica.
Na prática de Jesus, três atitudes antiviolência se destacam: a humildade (fazer-se criança, Mateus 18, 4); o amor aos pobres e excluídos (Mateus 18,10 e 25, 31-40); o perdão (Mateus 18, 22). E o programa de justiça, capaz de engendrar a paz, contido no Sermão da Montanha (as bem-aventuranças Mateus 5, 1-12).