Sim, nós podemos
Selvino Heck
Sim, nós podemos…
Cantar com Mercedes Sosa os cantos e a esperança da América Latina e de seu povo, sem nenhuma vergonha, com muito orgulho e paixão, “todas as vozes todas, todas as mãos todas, todo sangue pode ser canção no vento”.
Mostrar que toda e qualquer injustiça, mentira ou guerra não nos são indiferentes, e que todas as dores e sofrimentos são nossas dores e sofrimentos.
Fazer dos pés descalços dos meninos e meninas correndo atrás da bola nas ruelas, nos campos de várzea e nos becos pés de cidadãos e cidadãs construindo seu futuro, um amanhã de sol, de luz, de direitos, de cidadania.
Celebrar a democracia finalmente conquistada nos trilhos de Sepé Tiaraju, Simon Bolivar, Che, Chico Mendes, Irmã Dorothy, tantos lutadores e lutadoras, revolucionários e revolucionárias, militantes, sindicalistas, mulheres e homens do povo, sem-terras, pastores, indígenas, negros que derramaram seu sangue ao longo de séculos.
Acabar com os golpes, as ditaduras, os usurpadores do poder que não lhes pertence, e sim pertence ao mais humilde carteiro ou morador de rua.
Enfrentar com coragem os podres poderes dos que esmagam os mais fracos, não lhes deixando espaço ante a tirania e a opressão.
Construir o poder popular, a partir dos de baixo como dizia Florestan, onde todos e todas são iguais, ninguém é mais, ninguém é menos, todos partilham, todos sorriem.
Organizar os pobres e trabalhadores, os humilhados e os ofendidos, de baixo para cima, tendo consciência da força de quem pensa e luta junto.
Distribuir a renda e a riqueza produzida por todos e todas por igual, sem ninguém mais, sem ninguém menos, todos e todas com direito à justa fatia do pão, da verdura e da beleza.
Partilhar os sonhos e os fracassos, na certeza de que o que é feito coletivamente tem mais sabor de conquista e vitória e é fermento na massa.
Comemorar os feitos de um povo, de uma gente que nunca se dobra, que sabe quando é dia de festa e quando é dia de trabalho, quando é dia de luta e quando é dia de prazer, quando é dia de choro, quando é dia de alegria.
Caminhar como povo feliz dono do seu nariz e destino, sem a cabeça baixa de negros escravos, de indígenas subjugados, de trabalhadores sem direitos: pescadores, catadores, recicladores, metalúrgicos, bancários, funcionários públicos, professores, donas de casa, agricultores familiares, moradores de rua senhores de seus pés, mãos e palavra.
Abandonar o colonialismo e a subserviência de séculos, para ver crescer o feijão nosso de cada dia, garantir seu próprio prato de comida, descrever cada letra do alfabeto como sua.
Trabalhar todos os dias, horas, minutos, segundos para acabar com a fome, a miséria e a desnutrição que ainda persegue milhares de crianças, jovens e velhos: matar a fome de pão, saciar a sede de beleza.
Produzir o melhor vinho da liberdade, borbulhante em cores e paladares, como se fosse o gosto do céu e o sabor da ternura.
Declarar todos e todas livres das correntes da servidão e da desesperança, sem as amarras do cotidiano, livres para voar no pensamento e na ação.
Arrastar para o círculo da solidariedade, da cooperação, da soberania e da altivez os desvalidos, os que não têm nada, os que nunca souberam gritar, os que nunca tiveram coragem de dizer o que pensam, os que nunca tiveram vez nem voz.
Cuidar de rios, córregos, riachos como se fossem nossa casa, da Amazônia como patrimônio nosso e da humanidade, do chão molhado como se fosse nossa última fonte de vida, das plantas e árvores como nosso alimento mais essencial, da água como se fosse o derradeiro gole de nossas vidas no meio do deserto.
Demonstrar para o resto do mundo nosso encanto e nosso riso, nosso samba e forró, nosso vanerão e capoeira, nossa valsa e carimbo.
Exigir de nós mesmos e dos nossos governos o controle e o fim da corrupção e do roubo, do enriquecimento fácil e rápido, da arrogância e do preconceito de quem acha que pode tudo sem pedir licença a ninguém.
Defender uma nova economia, com base na partilha do comum, do milho plantado para todos e todas, do calçado que serve a todos os pés, da luz elétrica que brilha de madrugada para todos os noctívagos.
Proclamar aos quatro ventos que um novo mundo é possível, respeitando a biodiversidade, proclamando as diferenças, cultivando o silêncio do corpo e do espírito.
Abraçar irmãos e irmãs de latinidade, companheiros e companheiros que sabem sofrer junto quando necessário, festejar irmanados quando possível, cuidar um do outro, uma da outra o tempo todo.
Dar todos os dias o bom dia da vida, o boa tarde da juventude, o boa noite da saudade.
Sentir-nos parte da humanidade de árabes e judeus, japoneses e chineses, europeus e norte-americanos, búlgaros e russos, venezuelanos e franceses, suecos e africanos, neozelandeses e argentinos, canadenses e kaiowá-guaranis, alemães e chechenos, aimaras e gregos, líbios e peruanos, indonésios e vietnamitas, irlandeses e paraguaios, hindus e ciganos, esquimós e afegãos, tuaregues e cubanos, espanhóis e pigmeus, ianomâmis e portugueses, mongóis e angolanos, salvadorenhos e filipinos.
Embalar nossos melhores sonhos de democracia, de igualdade e justiça social, na utopia de quem é capaz de fazer acontecer.
Sim, nós podemos, e devemos…
Tornar o Brasil de brasileiros e brasileiras, com todas as cores e ritmos, todos os sambas e forrós, todos os prantos e fogueiras, todas as danças e rituais, todos os símbolos e estrelas, todos os oceanos e rios, todos os pampas e cerrados, todas as casas e circunstâncias, todas as caatingas e pantanais, todas as rugas e símbolos, todas as crenças e fés.
Construir uma América Latina unida e forte nas suas muitas vozes e cantos, tradições e culturas, histórias e origens, da Patagônia ao Suriname, de Natal a Machupicho, do Rio a La Paz, de Puerto Evo Morales a Tegucigalpa, de Chiapas a Redenção, de Havana ao Chuí, de Parintins a Sucre, sem limites nem fronteiras, a Pátria Grande de ontem, hoje e sempre.
* Assessor Especial do Presidente da República do Brasil. Da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política