Sinais dos tempos
Dom Demétrio Valentini
Vem de longe a advertência para estarmos atentos aos sinais dos tempos. O próprio Mestre interpelava o povo, que se mostrava capaz de fazer a “previsão do tempo”, mas não se dava conta dos “sinais do Reino”, como lembram as liturgias do Advento.
Quem se caracterizou pela insistência em valorizar os “sinais dos tempos” foi o Papa João 23. Com sua coragem e confiança em Deus, conseguiu despertar o povo para sustentar o clima favorável às grandes propostas que o Concílio iria fazer para a renovação da Igreja.
Agora, parece que se arma de novo o tempo. Há sintomas de transformações profundas em curso. Precisamos estar atentos para entender o que está se passando, para não sermos surpreendidos por acontecimentos que não estavam em nossos cálculos.
A própria natureza parece emitir sinais de alerta cada dia mais claros e insistentes. Neste contexto chega em boa hora a Campanha da Fraternidade que vai ecoar as contorções da natureza que “geme em dores de parto”, como diz São Paulo em sua carta aos Romanos, frase que servirá de lema para a Campanha.
O sistema econômico mundial, apesar de todo o seu cuidado em tranqüilizar os mercados, para o bom funcionamento dos negócios, não consegue disfarçar os temores da reincidência nos mesmos sintomas de crise que já deixou muita gente na miséria.
O desafio maior, na interpretação verdadeira dos sinais dos tempos, é compreender a causa dos fatos que acabam acontecendo. Eles nos surpreendem porque não entendemos o que está na sua raiz.
As mudanças religiosas costumam ser as mais inquietantes, porque mexem com costumes arraigados na cultura do povo. Nestes dias apreciamos um cenário pelo menos curioso. Ao mesmo tempo em que os novos cardeais desfilavam suas reluzentes vestimentas vermelhas, o Papa falava da camisinha, enquanto era anunciado o novo sínodo para 2012 sobre a Nova Evangelização e a transmissão da fé cristã.
Aí dá para identificar sinais de tempos passados, que se revestem do seu anacronismo, pelo qual, às avessas, também podem apontar para o futuro. Em todo o caso, no meio deste cenário, é legítimo se perguntar para onde caminha a Igreja, que sinais nos falam do seu futuro.
Ao anunciar o tema do próximo sínodo, é possível decifrar a angústia da Igreja diante de sintomas preocupantes. Em recente pesquisa feita na França, tomando a população dos dezoito aos trinta anos, só três por cento dizem ter uma vinculação religiosa clara. Na idade crucial para a definição da vida, noventa e sete por cento dos jovens franceses não levam em conta a religião.
Este é um evidente sinal dos tempos, que está na base da proposta do próximo sínodo. Que está acontecendo com o Evangelho de Cristo, que já não motiva mais os jovens a tomá-lo como referência para sua vida?
Não é por acaso que o próximo sínodo vai falar da “transmissão da fé”. Este assunto define melhor a angústia da Igreja. Ela já não conta com a força da tradição para transmitir a fé. A própria cultura se encarregava de transmitir às novas gerações os valores evangélicos.
Agora a cultura não serve mais de veículo para transportar a fé. A Igreja precisa encontrar outros meios. De um momento para outro, países que tinham fama de baluartes do Evangelho, se tornam hostis a ele, ou simplesmente o ignoram. Não querem, em todo o caso, assumir nenhuma identificação com qualquer expressão religiosa. É sintomática a insistência da comunidade européia em não colocar, na sua constituição, nenhuma referência às “raízes cristãs da cultura européia”.
Vivemos um tempo que caminha para a plena separação entre a esfera religiosa e a sociedade civil. Isto pode ser muito bom para uma nova evangelização, que já não vai mais contar com a bengala do favorecimento estatal para convencer as consciências para aderirem à fé.
Isto aumenta o desafio de interpretar corretamente os sinais dos tempos, que nos alertam para as mudanças profundas que vem chegando.