Sou como o bom pelicano do deserto

Padre Geovane Saraiva*

A Igreja de Cristo, por ser uma organização de pessoas, constituída de voluntários, exige de seus membros obrigações e vínculos, usando da liberdade de todos e cada um. Ela deseja clareza e convicção dos mesmos, ao aceitar e, disso não se pode prescindir, que o Filho de Deus, antes de subir ao Pai, falou com veemência sobre o sacramento da Eucaristia, com a seguinte afirmação: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém come deste pão, viverá eternamente… (cf. Jo 6, 51-71).

Temos consciência que sempre e por toda parte a refeição foi símbolo de união. Para nós, cristãos, a refeição salutar por excelência é a Eucaristia, com caráter de sacrifício e de ação de graças, como repetição do sacrifício de Cristo, no mistério pascal. No comer e beber da carne e do sangue de Cristo, já experimentamos, pela nossa fé, a eternidade, unidos na recíproca permanência, conforme as palavras do Mestre, que nos leva não só a compreender seu gesto maior, ao lavar os pés dos discípulos. Cabe a nós a tarefa e o desafio de procurar fazer o que ele fez, no serviço do próximo.

São Jerônimo, num comentário sobre o Salmo 102, dizia: “Sou como um pelicano do deserto, aquele pássaro bom que fustiga o peito e alimenta com o próprio sangue os seus filhos”. Ele é o símbolo do sacrifício e da doação de si mesmo. E a Eucaristia é Jesus Cristo mesmo, como pão da vida, do céu e da paz, porque nele está a redenção da humanidade.

A principal característica do pelicano é a ter consigo uma bolsa membranosa, que nela prende o bico, duas ou três vezes maior que seu estômago, com a finalidade de armazenar alimento por um determinado tempo. Assim, como a maioria das aves aquáticas, possui os dedos unidos por membranas. Eles são encontrados em todos os continentes, com exceção da Antártida; medindo até três metros, de uma asa a outra e pesando até 13 quilos. Os machos são normalmente maiores e possuem bicos mais longos que as fêmeas e alimentam-se de peixes.

Na Europa medieval eram considerados animais, especialmente zelosos e, alimentavam os filhotes com o alimento tirado da sua própria bolsa e, se chegasse a faltar alimento, eles, num modo extraordinário e divino de proceder, alimentavam os seus filhos, com o próprio sangue.

Daí o pelicano nos representar, nós que abraçamos a fé, nessa profunda simbologia da Paixão de Cristo, da Eucaristia e da auto-imolação – do cordeiro pascal. Esse tipo de ave costumava a sofrer de uma doença que o deixava com uma marca vermelha no peito. Outra versão é de que esse tipo animal tinha o hábito matar os seus filhotes e, depois, ressuscitá-los com seu sangue, o que seria análogo ao sacrifício de Jesus, ao memorial da morte e ressurreição de Cristo.

Jesus Cristo é o pássaro bom e, imprescindível, para que a nossa Igreja seja verdadeiramente pascal. É por isso que suplicamos: Oh pássaro bom! Oh pelicano bom, Senhor Jesus! Temos consciência de que Eucaristia é a renovação da aliança do Senhor com a humanidade e que através dela se realiza de um modo contínuo a obra da Redenção. Temos convicção de que a Eucaristia é o sinal da unidade e vínculo da caridade e que também dela tende toda ação da Igreja e, ao mesmo tempo, é a fonte donde emana toda sua força (cf. SC. 522, 537, 537 e 600).

Que o pássaro bom nos ensine amar mais a Eucaristia, Sacramento no qual Jesus se acha presente, com seu corpo, sangue, alma e divindade. Ele é banquete sagrado, “o pelicano bom a nos inundar com vosso sangue, sangue no qual, através de uma só gota quis salvar o mundo inteiro” (S. Tomás de Aquino).

Que a nossa fé na Eucaristia, possa não só nos empolgar e nos fascinar em determinados momentos da vida, mas que nos produza um forte desejo de aprender sempre e cada vez mais a vivermos animados e com esperança, como bons pelicanos, na renúncia, na doação e na generosidade, como tão bem afirmava Dom Helder: “Que eu aprenda afinal, ao menos na quinzena sagrada, a cobrir de véus o acidental e efêmero, deixando em primeiro plano, apenas, apenas, apenas o mistério da redenção”.

* Pe. Geovane Saraiva, padre da Arquidiocese de Fortaleza, Escritor, Membro da Academia de Letras dos Municípios do Estado Ceará (ALMECE), e da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza.

Pároco de Santo Afonso
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Autor dos livros:
“O peregrino da Paz” e “Nascido Para as Coisas Maiores” (centenário de Dom Helder Câmara).
“A Ternura de um Pastor”, já 2ª edição (homenagem ao Cardeal Lorscheider)
“A Esperança Tem Nome” (espiritualidade e compromisso)
“Dom Helder: Sonhos e Utopias” (o pastor dos empobrecidos)

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