Torturador se vinga da Igreja Católica

Jarbas Silva Marques *

O ex-Delegado da Polícia Federal, José Carlos Gentil, lançou no dia 9 de junho, no Restaurante Albatroz, do Aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília, o livro A Igreja e os Escravos , numa ação de revanchismo político contra a Igreja Católica Apostólica Romana, que o identificou como torturador de presos políticos no trabalho elaborado pela Arquidiocese de São Paulo Brasil Nunca Mais, coordenado pelo Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns.

No livro, que tem as orelhas apresentadas pelo Senador Cristovam Buarque, José Carlos Gentil colige documentos para denunciar a Igreja Católica na conivência com a escravidão e os regimes escravocratas, apresentando-se como historiador, após, numa manobra diversionista – aproveitando-se da Lei Italiana, que dá cidadania a filhos de italianos – tendo modificado seu nome para JOSÉ CARLOS GENTILI, tentando, assim, escapar dos registros da Justiça Militar do Estado da Paraíba, que o identificam como um dos quarenta e quatro torturadores da Ditadura Civil e Militar de 1964.

O OVO DA SERPENTE

José Carlos Gentil nasceu em 30 de maio de 1940, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, e, em 1960, após fazer o Curso de Oficiais da Reserva – CPOR – em Porto Alegre, muda-se para Brasília e ingressa na Guarda Especial de Brasília – GEB, no posto de Tenente, sendo nomeado, em 1962, como Diretor do Presídio da Papuda.

Em 1964, após exercer as funções de Ajudante-de-Ordens do Diretor Geral do Departamento Federal de Segurança Pública, assume a Superintendência de Serviços Gerais da DFSP e, em 1965, é enviado a Washington pela Ditadura Militar para estudar na Academia Internacional de Polícia – IAP, do Departamento de Estado dos Estados Unidos, e, tão-logo conclui o curso na IAP vai cursar a Academia de Los Fresnos, em Brownswille, Texas, onde são preparados os quadros policiais de repressão fazendária.

De volta ao Brasil, vai servir na Divisão de Repressão ao Contrabando da Polícia Federal e, em 1970, é deslocado para o Estado da Paraíba, onde passa a ocupar a função de Delegado Regional Substituto.
Em 1971, ascende ao posto máximo da carreira policial na Polícia Federal, quando passa a Inspetor de Polícia, aos trinta e um anos de idade.

Em 1972, após chegar ao ápice da carreira, pede exoneração.

O Serviço Nacional de Informações – SNI, para efetivar o controle sobre todo o corpo da sociedade brasileira – cidadãos e empresas – necessitava do acesso às informações econômicas e financeiras disponíveis nos Serviços de Proteção ao Crédito – SPCs, criados pelas associações comerciais e pelos clubes de lojistas em todo o País.

No Distrito Federal, logo após sua instalação e a inauguração de Brasília, um esperto empresário registrou uma empresa com o nome de serviço de Proteção ao Crédito – SPC, idêntico aos demais SPCs ligados à associações comerciais. Quando a Associação Comercial do Distrito Federal quis criar esse serviço, o nome não mais poderia ser usado, sendo, então, criado o Clube dos Dirigentes Lojistas – CDL, com as mesmas atribuições de suas congêneres no Brasil, mas com o nome diferente.

José Carlos Gentil, em 1980, adquire a Sociedade Brasileira de Cobrança, com os escritórios no Pará, Pernambuco e Goiás, para, logo em seguida, adquirir o Serviço de Proteção ao Crédito de Brasília.
Com a sigla SPC em mãos, o Serviço Nacional de Informações – SNI, a partir de Brasília, passou a ter acesso a todo o sistema estruturado nacionalmente pelos empresários, preservando-se de pedidos, declarações e acompanhamento que denunciasse a sua ação no corpo social da nação.

Nessa época, ele funda, também, uma empresa turística, a Gentil Turismo. Essa Empresa passa, então, a organizar excursões turísticas nos países comunistas de então. Os ingênuos turistas que procuravam esses pacotes “vermelho”, mais do que depressa já estavam no índex dos órgãos de segurança.

Em 1985, tem início uma nova fase de José Carlos Gentil. Primeiramente, ele entra na Maçonaria e articula a fundação da Academia Maçônica de Letras, elegendo-se presidente. A Partir daí, a Maçonaria serviu-lhe de biombo para o seu trabalho de infiltração, ao ponto de, em 1989, a Maçonaria o indicar para ser nomeado Conselheiro da República, só não conseguindo seus objetivos porque uma corrente maçônica tomou conhecimento de uma matéria publicada no Jornal Voz de Luziânia, que o identificou como um dos quarenta e quatro torturadores listados pela Arquidiocese de São Paulo.
Mas, esse acidente de percurso não o impediu de atingir seus objetivos e, na última página de seu livro, ele lista que é membro da Academia de Letras de Brasília, da Academia de Letras e Artes do Planalto Central, da Academia Maçônica de Brasília, da Academia de Letras, Artes e Música de Pirenópolis, da Academia de Artes e Música do Distrito Federal, do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, da Academia de Letras de Anápolis, da Academia Cristalinense de Ciências, Artes e Letras, da Academia Petropolitana de Poesia Raul Leoni, da Academia Maçônica Paulista, da International Academy of Letters of Englad e do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

No entanto, como toda essa manobra para descaracterizá-lo como um dos torturadores listados pela Igreja Católica esbarrava no seu nome de batismo e registro civil, José Carlos Gentil partiu para uma última manobra: mudar o nome. Valendo-se da legislação italiana, que dá dupla nacionalidade aos filhos de italianos, os “ORIUNDOS”, ele requereu a cidadania italiana e mudou seu nome para JOSÉ CARLOS GENTILI.

Com esse nome, ele assina A Igreja e os Escravos, que é a sua vingança revanchista contra a Igreja Católica Apostólica Romana, que o eternizou como torturador de presos políticos.

OS LUÍZES QUE SE CUIDEM

É, hoje, de domínio público que três advogados brasileiros arriscaram suas vidas para que a Arquidiocese de São Paulo elaborasse o livro Brasil Nunca Mais.

Por um critério rigoroso, estabelecido por Dom Paulo Evaristo Arns, o Brasil Nunca Mais teria por base documentos inquestionáveis, as cópias dos Inquéritos Policiais Militares – IPMS, que denunciavam as torturas e os torturadores, julgados ou em julgamentos no Superior Tribunal Militar – o STM, sediado em Brasília.

Os advogados Antônio Modesto da Silveira, Luiz Eduardo Greenhalg e Luiz Carlos Sigmaringa Seixas passaram a requerer os IPMS, xerografar os depoimentos e manda-los para Dom Evaristo Arns em São Paulo.

Os braços do revanchismo alcançaram o advogado Antônio Modesto da Silveira, que foi seqüestrado pelo DOI-CODI do Rio de Janeiro, e a Luiz Eduardo Greenhalg, que teve pela Internet uma campanha difamatória que afirmava que ele estaria riquíssimo por receber parte das indenizações devidas aos anistiados, quando se sabe que o Governo de Luís Inácio Lula da Silva, em seus quase quatro anos de governo, não pagou os atrasados devidos aos cassados anistiados pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

O hoje Deputado Federal pelo Distrito Federal, Luiz Carlos Sigmaringa Seixas, até o momento, felizmente, ainda não acusou nenhum ato revanchista.

Em 1988, o Deputado Augusto Carvalho tentou, junto ao Governador José Aparecido de Oliveira, que o Governo do Distrito Federal cancelasse a condecoração concedida a José Carlos Gentil, da Ordem do Mérito de Brasília.

José Carlos Gentil não cita, em seu livro, as medalhas e comendas que recebeu, mesmo porque, hoje, ele tem outro nome e outra identidade.

Pode ser que, agora, depois da derrota de Berlusconi, o grupo de ORIUNDOS, que queria requerer ao governo italiano a cassação dessa cidadania, com base nos acordos internacionais, que abominam a tortura, crie novo ânimo para requerê-la.

* Jornalista e Historiador

(artigo publicado originalmente pela Agência Adital)