Um não maior que um sim
Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
Essa pode ser uma forma de descrever recente renúncia do Papa Bento XVI. São vários e variados os aspectos a serem considerados. De início surpreende sua coragem, ao mesmo tempo grandiosa e humilde, de romper com uma tradição secular. Quanto a isso, certamente o teólogo Joseph Ratzinger permanecerá na história da Igreja mais por sua forma de deixar a cadeira de Pedro do que por seu pontificado. De fato, nestes quase oito anos à frente da Santa Sé, sua forma de governar se contrapõe à de seu predecessor, João Paulo II, pela timidez, ponderação e lentidão. E por seu conservadorismo, acrescentariam apressadamente alguns. À parte esse tipo de avaliação talvez precoce e ideológica, a verdade é que o pontífice renunciante passa a representar um marco histórico no ato mesmo de deixar a história.
Com isso transforma também o conceito teológico da ação do Espírito Santo na Igreja. Não raramente essa ação carrega certo grau de magia, como se estivesse acima ou fora das coordenadas da história da humanidade, ou isenta de qualquer julgamento histórico-social. Com sua renúncia, Bento XVI nos diz, pura e simplesmente, que o Espírito Santo age na história, sim, mas através da própria ação humana. Não tolhe a liberdade de cada homem ou mulher, mas lhe confere um significado espiritual e mais profundo. O Espírito não age além ou indiferentemente da práxis histórica A ação divina na trajetória humana, longe de desconhecer o dom intransferível da liberdade, leva-o às últimas consequências, silenciando nos momentos mais difíceis e obscuros que o ser humano atravessa, como o Filho no alto da cruz: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste!”. As opções e consequências de nossa trajetória recaem sobre nossos próprios ombros, o que não significa indiferença por parte de Deus, apenas saliêncio e espera amorosa.
Quem ama, de resto, pode pouco além de amar! O amor é uma flor frágil exposta ao vento. Na cruz o Pai revela um amor presente-ausente. A única arma de que dispõe é o amor, porque abdicou de antemão de toda força e autoritarismo. E o amor perdoa e se compadece, tem misericórdia e compaixão, abençoa e salva, mas jamais intervém nas decisões de cada ser humano. Este, quem quer que seja, abre uma vereda única e irrepetível no terreno árido da história. Que faz então a ação do Espírito Santo? Nada mais nada menos do que revestir a própria ação humana com a luz divina, conferindo com isso um sentido oculto e transcendente à existência. Costura os feitos humanos de tal forma que vento ou tempestade alguma será capaz de varrer as marcas de amor e de bem que o homem tenha deixado no pergaminho da história. Ou seja, pela ação divina, os fatos tornam-se eternos. Eternidade, neste caso, não significa a vida após a morte, mas a passagem pela terra revestida de um caráter imorredouro. São eternos o gesto, o olhar, o toque, a palavra, o sorriso… de quem ama. Escritos com caracteres de um fogo que jamais de apaga. “Passou pela vida fazendo o bem”, dizem os escritos sagrados sobre o itinerário de Jesus.
Joseph Ratzinger vem nos lembrar, portanto, que o Espírito Santo não imuniza seus ministros contra as fraquezas e debilidades da doença e da idade. Todos estamos sujeitos às feridas e cicatrizes que o tempo vai cavando no corpo e na alma. Mas a lição é bem mais profunda: a cadeira de Pedro não é um posto misterioso e sagrado, protegido das tormentas e turbulências humanas. Ao contrário, sofre-as de uma forma bem mais pesada, como capitão de uma barca extremamente débil num mundo cujas inovações e mudanças criam ondas cada vez mais carregadas e ameaçadoras. Aqui reside a coragem de revelar a própria fragilidade e de passar a outro o comando da nave. Numa palavra, o ministério pontifício, como qualquer outro, não passa de um serviço a Deus, à Igreja e aos pobres. Quando o organismo se debilita, seja pela enfermidade ou pelos anos, tal serviço pede braços mais jovens e vigorosos.
Semelhante decisão, diríamos, contradiz a de seu antecessor, o qual permaneceu no cargo mesmo em condições humanas de extrema debilidade! Talvez não seja essa a forma correta de ver as coisas. A meu ver, estão diante de duas formas distintas de oferecer a vida por amor ao Reino e à Igreja. Duas formas diferentes em duas personalidades igualmente diferentes. Se João Paulo II decide ir até o último limite impulsionado pelo esse amor, Bento XVI escolhe outra via, a de ceder a cadeira petrina por lhe faltarem as forças. Nem por isso revela um amor menor. Apenas uma maneira distinta de levar adiante o seu “sim”, que passa à sombra sem deixar de servir. Se há resistência e total doação de um lado, não faltam sabedoria e humildade do outro. Em ambos os testemunhos, uma nota comum: a de um sacrifício em nome de uma vocação de entrega e gratuidade total.
O gesto de Joseph Ratinger, por outro lado, abre novos horizontes à trajetória da Igreja Católica. Jamais esta será a mesma: seus sucessores herdarão uma corajosa e inusitada liberdade. Uma vez mais, a ação de Deus na história não tem aplicação automática, mas passa pelas decisões daqueles se se abrem ao sopro vivo e ativo do Espírito. Ao revelar sua fragilidade humana, talvez Bento XVI esteja aproximando a Igreja do mundo contemporâneo em alguns séculos. Como todas as formas de poder, também essa é marcada pela condição humana sobre a face da terra, estando sujeita à fraqueza e às falhas. Com isso, o poder e o serviço se entrelaçam de forma inextrincável. O poder pontifício, como todas as outras formas de poder, é também um serviço a uma instituição que não está nas nuvens, acima dos seres mortais, mas tem suas raízes bem fincadas no chão da história. Raízes, diga-se de passagem, com mais de dois mil anos de experiência tanto no pecado quanto na graça.
Vale lembrar que Bento XVI foi o papa em cujas mãos explodiram uma série de escândalos no interior mesmo da Igreja. Tudo isso pesa, e pesa muito, sobre os ombros de uma só pessoa. Debilita qualquer organismo por mais forte que seja. Mas tudo isso, quem sabe, possa novamente abrir as janelas do Vaticano aos ares do mundo contemporâneo, como ocorreu com João XXIII ao convocar o Concílio Ecumênico Vaticano II. Fragilizado pelo combate, o Papa deixa um legado para não pouca reflexão, talvez um sério convite quaresmal à conversão. Converter é mudar o rumo dos próprios passos e do próprio comportamento. Quem sabe, com esse gesto simultaneamente humilde e grandioso, a Igreja não esteja sendo convidada a modificar sua forma de governo diante de uma sociedade que avança a passos largos! Quem sabe o seu “não” seja tão grande e tão sábio quanto o seu “sim”! Só a história e o Espírito que age em suas coordenadas o poderão julgar.
M angelica t leone
fev 13, 2013 @ 18:01:41
TODAS AS DECISÕES TOMADAS, QUANDO SE ESTÁ COM DEUS, CONCORREM PARA O BEM. TALVEZ AGORA NÃO ENTENDAMOS AQUILO Q PODERÁ SER A MELHOR DECISÃO TOMADA.ADMIRO A INTELIGÊNCIA DE BENTO XVI!!!!!!!!!!!!!!!