Verde e vermelho
Jung Mo Sung
Uma das características do capitalismo e das empresas capitalistas é a capacidade de se adaptar aos novos valores da sociedade produzindo novos discursos, novos slogans, novas imagens e novos produtos. Mudar sempre e tudo o que for necessário para aumentar ou manter a acumulação do capital.
Quando a sociedade civil começou valorizar a ética e exigir posturas mais éticas das empresas, foram criados programas, cursos e discursos sobre ética nas empresas. Assim também, quando o problema do meio ambiente se tornou uma questão pública mundial, até empresas petrolíferas começaram fazer propaganda pelo mundo afora falando dos seus projetos de proteção ambiental. A preocupação (aparente ou real) pelo meio ambiente faz parte hoje do “cardápio” na geração de lucro das grandes empresas.
Os discursos genéricos pela preservação do meio ambiente estão sendo acompanhados cada vez mais pela criação e produção de “produtos verdes” (que inclui bens de consumo, máquinas, edifícios, alimentos etc.). Produtos que não agridem, ou prejudicam menos, o meio ambiente e a saúde dos consumidores e da população em geral. É a resposta das empresas frente a novas demandas dos consumidores e do aumento da consciência ecológica da sociedade. “Verde” está se tornando uma moda e agrega valor á mercadoria e à marca.
Contudo, não podemos nos esquecer que o mundo econômico pode se tornar completamente verde, mas isso não significará necessariamente que esse processo solucionará os problemas sociais, como a brutal desigualdade social e a pobreza. Edifícios e residências “verdes” podem ser construídos de modo ambientalmente correto, assim como celulares sofisticados “verdes” fabricados com materiais recicláveis e baterias não prejudiciais ao meio ambiente, alimentos produzidos organicamente, sem agrotóxicos e outros produtos químicos, e até Ferraris “verdes”, mas isso por si não acabará com a exclusão social e nem tirará da pobreza bilhões de pessoas espalhadas pelo mundo.
Eu não estou aqui desvalorizando a luta ambiental e a importância da produção de produtos verdes. Muito pelo contrário. O que eu quero chamar atenção é a capacidade do capitalismo enquanto sistema econômico-social e das empresas capitalistas de cooptarem as bandeiras e os valores dos movimentos sociais e os utilizarem para a manutenção do capitalismo e para maior acumulação do capital. E uma das formas atuais disso é o foco exclusivo na questão ambiental e no produto verde. Ao dar ênfase exclusiva à questão ecológica, tira da cena questões e problemas que o sistema capitalista não está interessado e nem tem muita capacidade de solucionar: o problema social.
É claro que precisamos preservar as condições ambientais que permitem a vida dos seres humanos e das outras espécies. Mas se nos deixarmos levar pela “armadilha” do sistema e reduzirmos a luta à questão ambiental, poderemos viver em um mundo cheio de produtos verdes, em um ambiente ecológico sustentável, cercados de centenas de milhões ou de bilhões de pessoas pobres excluídas desse consumo verde e das condições dignas de vida.
A bandeira vermelha simbolizou e ainda para muitos simboliza a luta pela justiça social. A verde, a luta pela preservação do meio ambiente e por um estilo de vida mais compatível com a natureza. Muitos de nós ainda pensamos dentro e a partir da racionalidade moderna que sempre pede a definição de “a” causa do problema, “a” luta, “a” proposta, como se a realidade fosse regida por um único princípio e que as nossas lutas também devessem ser guiadas por uma única bandeira. Para quem pensa assim, seria preciso escolher “a” bandeira, a verde ou a vermelha.
Eu penso que devemos tomar cuidado para não cair na armadilha do capitalismo de reduzir tudo à questão “verde”, nem reproduzir o erro da razão moderna de definir uma única bandeira de luta ou pensar que há uma única ou uma causa central para os problemas tão complexos que enfrentamos hoje. É preciso unir o “vermelho” com “verde”, o “verde” com o “vermelho”. Só que, para isso, não basta justapor o discurso ecológico com o social. É preciso formular ou utilizar um novo tipo de racionalidade, novas estratégias de lutas e de um novo modelo de desenvolvimento que seja social e ecologicamente sustentável.
E para as comunidades e grupos religiosos (de todas as confissões e crenças) comprometidos com esse desafio há o desafio de propor e viver uma espiritualidade que revele e permita, no interior da luta colorida de “verde-vermelho”, a experiência do divino que nos humaniza.